Presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trapuco, diz que Bolsonaro livrará amarras que seguram o Brasil


Esta entrevista foi publicada no jornal Valor de hoje. Leia tudo:

Em sua sexta ida ao Fórum Econômico Mundial, o presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, se prepara para uma bateria de perguntas em Davos sobre o novo governo. "Este será um ano diferente para os brasileiros." Trabuco ainda não havia subido os Alpes suíços em 2003, quando a elite política e financeira do planeta parou para ouvir os planos de Luiz Inácio Lula da Silva, mas nunca viu tamanha expectativa sobre o Brasil como agora, para a estreia internacional do presidente Jair Bolsonaro.
O país, na avaliação do banqueiro, acaba de deixar para trás uma "tríade de déficits" que vai muito além da necessidade de ajuste fiscal: "São os déficits de moral, de confiança, de esperança". Chegou a hora, acrescenta Trabuco, de quebrar o espelho retrovisor e contar ao mundo a nossa "narrativa de superação".
Nesta entrevista, ele defende uma reforma da Previdência ampla e universal. Aponta a crise dos Estados como favorável à aprovação da proposta, imaginando que os governadores vão pressionar mais suas bancadas. Avisa que os bancos estão com liquidez e têm "excepcionais condições de suportar um novo ciclo de crescimento".
Graduado em Filosofia, devorador de séries da Netflix e conhecido pelo jeito agregador, Trabuco aproveita as participações em Davos não só para ter uma visão privilegiada sobre os rumos da economia global. É presença garantida nas sessões de "mindfulness" que reúnem autoridades, CEOs e prêmios Nobel. "O fórum nos permite a possibilidade de compartilhamento de ideias, atualização de informações e até de renovação do espírito em sessões que saem do mundo estritamente econômico." Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual mensagem o sr. pretende levar para Davos sobre este novo momento do Brasil? E sobre o que espera ser mais questionado?
Luiz Carlos Trabuco: Este será um ano diferente para os brasileiros em Davos. O Brasil está sendo observado com muita expectativa. E o novo governo vai apresentar o país livre de algumas amarras no modelo econômico.
Uma pesquisa da Bloomberg relacionou as melhores opções de países para ações, bonds e até moedas em mercados emergentes neste ano. O Brasil ficou em primeiro lugar nas três categorias. Em 2019, temos que mostrar ao mundo uma narrativa de superação. É uma narrativa derivada do próprio processo eleitoral, que mostrou a solidez das instituições e a consolidação da democracia.
Por outro lado, não podemos desconsiderar que os últimos anos foram marcados por uma crise econômica, política e moral. Passamos por uma tempestade perfeita: recessão, desemprego, inflação, custo de capital muito alto. E por uma tríade de déficits que vai além da questão fiscal. São os déficits de moral, de confiança e de esperança.
Em Davos, o Brasil tem esse papel de olhar para o futuro e quebrar o espelho retrovisor. O nosso trabalho é para mudar as expectativas. A equipe econômica transmite serenidade, mas também perseverança. Teremos uma presença auspiciosa no fórum. É por isso que essa narrativa de superação precisa ser valorizada.
Valor: De certa forma, a política externa "antiglobalista" do governo não se choca com esse discurso de abertura da equipe econômica?
Trabuco: Não podemos confundir globalização com globalismo. A globalização tem uma vertente econômica e ganhos irreversíveis. O globalismo é uma posição mais política, ideológica, que às vezes enseja até ondas protecionistas. E o protecionismo impede ganhos de competitividade. Lembro a frase do [presidente chinês] Xi Jinping há dois anos em Davos ["O protecionismo é como trancar-se em uma sala escura: o vento e a chuva podem até ficar do lado de fora, mas também bloqueia-se a luz e o ar"]. Não podemos nadar contra uma onda, que foi positiva em todo o mundo, de eliminação da pobreza. A globalização ajudou o mundo a superar alguns desafios. Lógico, trouxe outros, mas que derivam mais de guerras e do nacionalismo.
‪'A globalização ajudou o mundo a superar alguns desafios. Trouxe outros, mas que derivam mais de guerras e do nacionalismo'
Valor: A reação inicial dos mercados ao novo governo tem sido positiva, com alta da bolsa e queda do dólar, mas ainda existe muito pouco de concreto. Não tem havido uma hipervalorização das promessas de ajuste, liberalização e reformas?
Trabuco: O direcional é de mudanças e de reformas. Não só a reforma da Previdência, mas a reforma do Estado, que é um processo mais demorado, mas igualmente importante. Estamos só no primeiro mês. O novo governo, por si só, traz uma perspectiva de mudança. E aí é trabalhar essas expectativas com a agenda de reformas, privatizações, um enxugamento do Estado, abertura da economia. Tudo isso gera alento.
O grande objetivo que o Brasil tem é buscar novamente o grau de investimento. É um ponto de chegada. Por que não temos grau de investimento? Se pegarmos todas as variáveis das agências de rating, temos condições de chegar ao grau de investimento mais rápido.
Pegue o indicador de dívida externa como proporção do PIB. A média dos países com AAA ou B+ é de 52%; no Brasil é 27%. Se você pega a média das reservas internacionais, eles têm US$ 139 bilhões; nós temos US$ 377 bilhões. O déficit em conta corrente, que é de 3,3% na média do mundo, fica em -0,3% no Brasil.
Onde é que perdemos o grau de investimento? Na nova matriz econômica, que acreditou um processo de subsídios muito grande, que bateu na dívida interna e colocou o déficit fiscal no centro dos nossos problemas. A lição que fica é: não basta ter uma excepcional política monetária e uma péssima execução fiscal. Se não consertar o fiscal, outras conquistas serão contaminadas.
Usando a linguagem da agricultura, as eleições limparam o campo e prepararam a terra. Agora começa a semeadura. Após a semeadura, vem a colheita do crescimento. Mas isso passa por um caminho doloroso, que é zerar o déficit.
Valor: Teremos uma etapa importante da semeadura, nos próximos dias, que é a proposta para a reforma da Previdência. Quais elementos precisam constar do texto?
Trabuco: Os ganhos de curto prazo com a reforma da Previdência são incrementais. O que ela vai definir é o futuro e a sustentabilidade das despesas. É desejável ter uma reforma ampla e universal, com estabelecimento de idades e tempos de transição. Pode-se até adaptar a reforma para algum setor, mas seria bom ter pelo menos a idade mínima para todos, mesmo com uma transição. Pode ser algo faseado, com um aumento a cada ano. O importante é que houve uma expansão da consciência da sociedade sobre a reforma e há chances concretas de aprovação.
Valor: O que leva o sr. a apostar agora na aprovação da reforma?
Trabuco: Há um novo Congresso e a necessidade está muito evidente porque o sistema, do jeito que está, vai depauperar as finanças públicas. Um outro fato que nos leva a ter mais confiança na aprovação é o envolvimento dos governos estaduais. Salvas algumas exceções, todos estão em situação de crise fiscal, principalmente pela questão dos servidores inativos. Os governadores serão, digamos assim, mobilizadores das suas bancadas para a aprovação. Esse é o desafio central.
Valor: E o regime de capitalização, deve ser incluído na proposta?
Trabuco: Não dá para sair de um para o outro. Em um processo de transição, os novos entrantes podem ir para o novo sistema. Isso não deve encontrar grandes resistências. Mas, no pilar da previdência pública no regime de repartição e com um seguro social para tirar as pessoas da pobreza, não se pode criar a expectativa de um benefício superior ao salário médio. Se você promete isso, tem subsídio entre as classes sociais. Por isso, é tão importante a discussão sobre o teto. Esse regime está embasado em um pacto entre gerações. Se continuar assim, vamos gerar um conflito de gerações, porque o Estado deixará de ter recursos para investimentos.
Valor: Parece haver um consenso sobre a desaceleração da economia global. Esse novo ambiente pode atrapalhar a retomada no Brasil?
Trabuco: A recuperação brasileira tem condições endógenas de acontecer, mas a desaceleração global é um fato que merece avaliações. O PIB mundial vai desacelerar. Até porque os EUA tiveram crescimento de 3% em 2018, taxa de desemprego de 3,2%, até pela natureza cíclica.
É um ano com determinadas lideranças internacionais fragilizadas: o Macri na Argentina, o Trump com seus desafios, o Macron com problemas internos, a Theresa May no Reino Unido. A política fiscal americana segue trajetória insustentável. Tem o capítulo da guerra comercial, o protecionismo está pintando por aí.
A boa notícia é que o Brasil estará em outro ciclo. O capital estrangeiro vai nos olhar com preferência. Estou otimista com o país.
Valor: O governo Bolsonaro promete mais abertura econômica e comercial. Os bancos também serão afetados, pela concorrência maior das fintechs, por exemplo?
Trabuco: Esse processo da revolução 4.0, a digitalização da sociedade, está provocando mudanças estruturais na indústria financeira de todo o mundo. Os grandes bancos internacionais estão fazendo um esforço muito grande, em termos de investimento, na digitalização. As fintechs comparecem com uma oferta diferenciada e outras regras de regulação para competir. Para nós, aqui no Bradesco, a questão é como sermos competitivos para manter a sustentabilidade no médio e longo prazos.
‪'O espaço para crescimento do crédito é grande. Os bancos, em seus guidances para 2019, vão refletir uma visão positiva'
Valor: E o sr. acha que o Bradesco está sendo suficientemente veloz na transição do físico para o digital?
Trabuco: Temos estado na linha de frente no uso de tecnologias disponíveis, inteligência artificial, identificação de voz. É um esforço grande e reconhecido. Criamos um banco novo, praticamente do zero, que é o Next. A missão é atender os "millennials". Isso foi dando condições de avançarmos em pessoas que são nascidas digitais ou com digitalização incremental [o Next alcançou 550 mil clientes].
Valor: Alguns analistas têm chamado atenção para os índices de rentabilidade do Bradesco, que têm se mantido mais estáveis, enquanto se nota crescimento no Santander. Isso pode ser lido como mau sinal?
Trabuco: Essa questão precisa ser avaliada com mais profundidade. A nossa rentabilidade está ao redor de 20%, é boa e o mercado reconheceu isso na valorização das ações. Nesse rali de valorização da Bolsa, tivemos valorização maior que a dos nossos concorrentes.
A nossa função é sempre avaliar os modelos de negócios. Temos um posicionamento estratégico e acreditamos nele. Somos um banco de cobertura nacional e com ampla plataforma de correntistas. Se estamos em 2 mil cidades em que a concorrência não está, acabamos capturando tudo o que uma economia em recuperação pode oferecer de bom, mas também incorporamos todos os ajustes de um processo recessivo.
Valor: E o que essa capilaridade do Bradesco pode nos dizer sobre inadimplência, demanda por crédito, recuperação da economia?
Trabuco: A recuperação da economia brasileira em 2019 e em 2020 está garantida, por questões cíclicas. Chegamos ao fundo do poço e estamos crescendo depois da recessão. Prevemos recuperação acelerada neste ano. A inflação está baixa, temos taxa de juros na mínima histórica, inadimplência em queda e demanda por crédito em alta. Se o PIB crescer em torno de 2,5%, 2,6% neste ano, os economistas acreditam que seria possível criar vagas formais de trabalho.
Valor: Se a reforma da Previdência for aprovada, qual seria o impacto adicional para o PIB?
Trabuco: É fácil imaginar que a reforma da Previdência, consolidando um direcional de médio e longo prazos com relação ao ajuste fiscal, valeria um ponto percentual de crescimento da economia. A reforma acaba dando um bônus extraordinário ao PIB. Mas, voltando ao ponto do mercado de crédito, ele tem excepcionais condições de suportar um novo ciclo de crescimento.
Os bancos em geral, e o Bradesco em particular, estão com liquidez muito grande. É por isso que, no mercado de capitais, está se trabalhando com spreads em níveis mínimos, sempre abaixo de 110% do CDI e emissões de até oito anos. Redução de custo de capital e aumento do prazo. As empresas melhoraram. Na pessoa física, estamos com o nível mais baixo de comprometimento da renda familiar. Se você tem o balanço das empresas ajustado, rentabilidade favorável, estimativas de lucro, 20% das empresas cotadas em bolsa, comprometimento baixo da renda nas famílias e menor inadimplência, o espaço para crescimento do crédito é grande. Quando os bancos divulgarem seus guidances, seguramente vão refletir uma visão muito positiva para 2019.
Valor: E esse cenário de crescimento do crédito não recrudesce o debate sobre os spreads bancários?
Trabuco: O debate é sempre latente e, no Brasil, vai ser mais acentuado. Mas a tendência [do spread] é de queda. Desde o ano passado, percebe-se que as quedas são fortes. E o aumento do volume pode levar a uma queda ainda maior. Quando o crédito está em processo de stop-and-go, como a inadimplência é dividida por uma massa de crédito menor, a expansão dos empréstimos favorece a redução dos spreads [como resultado de uma taxa de inadimplência menor].

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