O advogado Cristiano Zanin (de costas), que defende o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão da Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal, ontem (25/6) em Brasília. O tribunal decidiu manter
Lula na cadeia — Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acertou
ao manter ontem preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto não é
analisado o mérito do pedido da defesa para soltá-lo.
Os advogados de Lula argumentam que o ministro da
Justiça, Sérgio Moro, agiu de modo parcial, movido por ambição política, ao
condenar Lula no processo em que é acusado de ter recebido um apartamento
triplex no Guarujá como propina em troca de contratos na Petrobras.
Entre as evidências de parcialidade apresentadas,
incluíram as mensagens trocadas entre Moro e procuradores da operação Lava
Jato, reveladas desde o último dia 9 pelo site The Intercept Brasil. Para
a defesa, as mensagens deixam clara a parcialidade de Moro. O mérito da questão
não foi analisado no julgamento de ontem na Segunda Turma.
O ministro Gilmar Mendes suspendera a votação em novembro
passado, quando dois outros ministros – Edson Fachin e Cármen Lúcia – já haviam
se manifestado contra a libertação de Lula. O próprio Gilmar afirmou ontem ser
mais sensato esperar para avaliar melhor o conteúdo das mensagens. Sugeriu,
enquanto não houvesse julgamento do mérito, que Lula aguardasse em liberdade.
Foi esse o ponto posto ontem em votação, apoiado por Gilmar e Ricardo
Lewandowski, mas derrotado pelos votos de Cármen, Fachin e Celso de Mello.
A inusitada sugestão da “libertação provisória” de Lula –
que voltaria à prisão, caso rejeitado o pedido da defesa – criaria uma situação
jurídica inédita. Seria mais um elemento de insegurança a pairar sobre a já incerta
relação do cidadão brasileiro com a lei.
Não foi esse, porém, o motivo principal para que a
sugestão de Gilmar fosse rejeitada. O argumento de Celso, autor do voto
decisivo, precisa ser compreendido, para avaliar o impacto das revelações
do Intercept na Lava Jato. Na essência, Celso concordou com a objeção
levantada no parecer da Procuradoria-Geral da República, que apontou “fundadas
dúvidas jurídicas sobre os fatos”.
Enquanto as autoridades não obtiverem acesso integral ao
material em poder do Intercept, para que possam garantir sua integridade e
autenticidade, será impossível usá-lo para tomar qualquer decisão juridicamente
sólida.
É certo que não existe nenhuma evidência de que as
mensagens tenham sido adulteradas, apenas a tentativa de Moro e dos procuradores
de lançar tal dúvida para defender a própria reputação. Mas
o Intercepttambém não as submeteu a perícia, não revelou sua origem, nem
relatou o formato ou o modo como as obteve.
Mais que razoável, portanto, que se aguarde. Há uma
diferença essencial entre o material de interesse jornalístico e provas
judicialmente válidas de que Moro deveria ter se declarado suspeito para julgar
o processo contra Lula. Foi esse o ponto, pertinente, levantado por Celso.
Por isso mesmo, afirmou que seu voto contra a sugestão de
Gilmar para libertar Lula não deve ser interpretado como rejeição dos
argumentos da defesa quanto à parcialidade de Moro. Só emitirá sua opinião
sobre isso quando o mérito dessa questão for julgado.
Toda cautela se faz necessária, pois está em jogo bem
mais que a liberdade de um réu. Lula, por sinal, poderá ser solto em breve,
quando obtiver direito à progressão de pena (a PGR já se manifestou a favor de
tirá-lo da cadeia). Nessa situação, sua condenação não correria o risco de ser
anulada, nem Lula recuperaria seus direitos políticos, suspensos enquanto pesar
contra ele uma sentença de segunda instância, como manda a Lei da Ficha Limpa.
Caso Moro seja declarado um juiz suspeito no caso, a
situação muda de figura. O processo contra Lula poderia ser anulado, apesar de
a condenação já ter sido referendada não apenas na segunda instância, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas também pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ). A suspeição de Moro poderia contaminar ainda as
provas colhidas nesse caso e interferir noutros em que o atual ministro da
Justiça atuou na Lava Jato.
A gravidade do que está em julgamento no STF recomenda
que o Intercept entregue todas as mensagens que obteve para que sejam
submetidas a perícia. O próprio interesse público funciona a favor da
divulgação de todo o material comprometedor (obviamente, não das mensagens de
natureza privada), em vez da publicação a conta-gotas segundo a conveniência
política, estratégia do site.
Em depoimento ontem na Câmara, o jornalista Glenn
Greenwald, fundador do Intercept, declarou que “vai ter muito mais ainda”.
“O material já mostrou e vai continuar mostrando que Moro era o chefe da
força-tarefa da lava Jato, que era o chefe dos procuradores”, disse. Se foi
mesmo assim, é preciso que as autoridades tenham pleno acesso ao conteúdo, para
que ele possa ser autenticado – e, só assim, Moro possa arcar com as
consequências jurídicas de seus atos.
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