Ignorar as externalidades do setor cheira à má-fé ou cegueira ideológica
Artigo publicado nesta Folha pelo economista e colunista André Roncaglia ("O agro não é pop... o agro é lobby!", 25/8) tem nítido viés ideológico contra o agronegócio e traz informações inverídicas ou intencionalmente mal interpretadas.
A mais gritante distorção está na afirmação de que "a agropecuária representa 7,9% do PIB e míseros 3% dos empregos formais da economia, mas paga menos de 1,5% da arrecadação total dos tributos". A cadeia produtiva do agronegócio engloba atividades integradas como agroindústrias de alimentos, máquinas, armazenagem, defensivos, fertilizantes, logística e pesquisa, entre outras, que movimentam cerca de 24,8% do PIB e geram 27% dos empregos formais da economia (Cepea/Esalq-USP). Ignorar as externalidades do agro cheira à má-fé.
Até o início do século 21, o Brasil vivia sob o espectro da insolvência cambial e da restrição externa ao crescimento. Com o aumento das exportações do agro nos últimos 20 anos, foi possível financiar o déficit estrutural do setor industrial e constituir reservas superiores hoje a US$ 380 bilhões. Esse upgrade da economia no mercado internacional de crédito e investimentos deve-se à atividade exportadora do agro brasileiro.
Quanto à carga tributária incidente sobre alimentos básicos e produtos agropecuários, o autor ignora que, no final da cadeia produtiva, quem paga o imposto de consumo é o consumidor —as empresas apenas recolhem tributos que oneram o preço final. A ampla maioria dos países da OCDE e da América Latina não tributa alimento básico para não atingir camadas pobres da população. Ainda como efeito colateral de um eventual aumento da tributação, a consequente redução da demanda de alimentos reduziria renda e emprego na agroindústria e nos agrosserviços.
A noção de carga tributária setorial é preconceituosa, distorcida, desinforma e acirra a rivalidade "agro versus indústria", que não deveria existir. Com atividades de agroindústrias e de agrosserviços, a receita tributária da cadeia produtiva equivale a 19,3% do total recolhido no país.
Outro erro é afirmar que o agro é amplamente subsidiado pelo governo. O Brasil é o país que mais reclama na Organização Mundial do Comércio dos subsídios agrícolas abusivos de décadas praticados por europeus e norte-americanos. Já o Brasil não apresenta caso de reclamação internacional pela simples razão de que não há subsídios ilegais na nossa agricultura.
Taxas de juros do Plano Safra variam com a Selic. Sua variação no tempo altera a equalização de juros com recursos orçamentários do governo, como ocorre com programas para a indústria (Finame, Proex). O crédito rural equalizável do Plano Safra representa, em média, um terço da necessidade de financiamento do setor e, em grande parte, é para pequenos produtores e agricultura familiar. O saldo do financiamento rural vem do mercado financeiro privado, nacional e internacional.
Agro e indústria não disputam território nem recursos. Quando um vai bem, este ajuda o outro, e vice-versa. Não enxerga isso quem estiver mal-intencionado por má-fé ou por cega ignorância ideológica.
O agro é Brasil.
Roberto Giannetti da Fonseca
Economista e empresário, é presidente da Kaduna Consultoria; foi secretário-executivo da Camex (governo FHC, 2000-02) e diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp (2004-13)
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