Artigo. J.R. Guzzo, Estadão - O irresponsável virou "necessário"

O Brasil vive num paraíso desde o dia 3 de novembro. Até então, era o pior país a ser encontrado no sistema solar; mas aí o TSE declarou que Lula tinha ganhado a eleição e de um minuto para outro o mundo mudou. Agora, haja o que houver e faça Lula o que bem entender, tudo está certíssimo, tudo é virtude, tudo é alegria. Se desse para saber que seria assim, bem que o STF poderia ter demitido o presidente Bolsonaro, nomeado Lula para o seu lugar e feito a felicidade geral começar antes, não é mesmo? Seja como for, o Brasil das Maravilhas está aí – e sua primeira grande conquista é a capacidade de transformar desastres, explícitos e aritméticos, em grande obra de “engenharia política”.


Imaginem o que aconteceria neste país se o governo, antes do dia 3 de novembro, tivesse dito que precisava gastar cerca de 170 bilhões de reais a mais do que a lei permite para pagar as suas despesas. A proposta não chegaria a cinco minutos de vida; iria desabar debaixo de enfurecidas acusações de “irresponsabilidade fiscal”, “incapacidade de governar”, “tentativa de golpe de Estado”, e daí para baixo. Mas os árbitros do bem e do mal agora são outros, e são eles que definem o que é a realidade. A realidade oficial, hoje, é que os mesmíssimos 170 bilhões que iriam arruinar o Brasil são indispensáveis para a sobrevivência da nação; Lula, ao extorquir essa montanha de dinheiro extra do pagador de impostos (poderia ter sido mais) se mostra não um arrombador do erário, mas nos dá uma notável lição de “articulação política”. Mudou-se até o nome da operação. Era “PEC da Gastança”. Foi promovida a “PEC da Transição”. Muito mais sério, certo?



O resto é igual. Destruir a maior parte dos mecanismos de estabilidade da economia passa a ser um mandamento da “Nova Teoria” que pretende resolver os problemas do Brasil com soluções que são tentadas há 100 anos e nunca deram certo. Socar 40 ministérios em cima da população (incluindo aí o Ministério do Índio) torna-se uma exibição de “capacidade administrativa”. Abrir embaixadas que foram fechadas em ditaduras ou em republiquetas no fundão da África, ou conseguir audiência com um assessor do presidente Joe Biden, é tido como grande vitória diplomática – eis aí o Brasil de volta à liderança mundial. São as vantagens de se “salvar a democracia” e colocar na presidência da República um cidadão condenado pela justiça por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Daqui para frente, os brasileiros não vão mais receber notícia ruim – têm, enfim, um presidente e um governo infalíveis.

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