Vou voltar a citar o poeta romano Horácio, morto em 27 de novembro de 8 aC. Horácio, o mais refinado estilista literário da Antiguidade, cunhou a expressão modus in rebus, uma advertência sobre a existência de limites no trato com as coisas.
O modus in rebus perdura até hoje, como expressão a recomendar a temperança, evitar precipitações e avanço de sinal, além de tomar atenção ao direito natural.
Por provocação do ministro do STF Alexandre Moraes, a Polícia Federal iniciou operação para realizar, em face do frustrado golpe bolsonarista de Estado de 8 de janeiro do ano passado, operação voltada a cumprir 208 mandos de prisão. Segundo a PF, mandados a contemplar condenados e investigados não localizados ou com risco de fuga.
Certamente, o ministro Moraes tomou conhecimento e incomodou-se com reportagem do UOL a respeito de pessoas foragidas no exterior e dadas como coautoras dos crimes consumados no mencionado 8 de Janeiro.
Numa linguagem futebolística, a Têmis, deusa da Justiça e simbolizada em escultura incrustada na frente do prédio do STF, havia tomado um chapéu e drible da vaca de imputados golpistas. Em outras palavras, as forças de ordem do Estado nacional tinham deixado de fiscalizar, apesar da gravidade dos crimes.
Dormiram no ponto e experimentaram o sabor do desprestígio. Os crimes do 8 de Janeiro, volto a frisar, eram gravíssimos, e alguns bagrinhos, usados como massa de manobra, saíram em fuga, diante das penas altíssimas dos julgamentos no STF.
O modus in rebus choca-se com o açodamento em se privar da liberdade de locomoção investigados que continuam em lugar certo, embora tenham descumprido medidas de cautelares substitutivas à prisão preventiva.
Pela Constituição, investigados são presumidamente inocentes. Ainda pelo nosso sistema constitucional, a liberdade é a regra e a prisão preventiva exceção. E sempre decorre da necessidade.
O ministro Moraes usou a expressão "fundado receio de fuga". E uma decisão única de prisão preventiva igual em motivação a todos, sem individualização, é arbitrária, consoante farta e remansosa jurisprudência.
A lei e os juízes de carreira, diante de violações como tirar a tornozeleira ou passar do limite espacial fixado, promovem, antes de cassar a medida acautelatória não prisional, uma audiência de advertência.
Tecnicamente, não se pode falar em direito de fugir. O correto é concluir não ter o legislador tipificado como crime a fuga. Não é crime fugir, mas destruir para fugir é crime de dano.
Prisões de cambulhada, sem individualizações, especificação do motivo concreto, são arbitrárias, ilegais. Moraes virou as costas para isso.
Pelas cópias dos mandados de prisões dos suspeitos de fuga (a incluir uma cabeleireira de Santa Catarina presa enquanto trabalhava no seu conhecido estabelecimento de embelezamento), fica claramente caracterizada a ilegalidade, atacável por habeas corpus.
Pelo sentido das informações, sem modus in rebus, partiu-se para o corretivo geral, sem oportunidade de advertência aos que violaram a obrigação, mas continuam em lugar certo, conhecido.
Enquanto tudo isso ocorre, continuam não incomodados os financiadores dos ataques à democracia e ao estado de direito, os militares apoiadores do golpismo e o beneficiário e incentivador do golpe que atende por Jair Bolsonaro.
A operação deflagrada, com relação aos fugitivos reais, tenta cobrir a ineficiência na vigilância. Pior, sancionar com privação de liberdade os que mereciam uma advertência e formalização de um novo termo de compromisso de atenderem as obrigações.
A gravidade do golpe de Estado está sendo posta de lado. No lugar, continua o jogo do faz de conta. Não se chega, convém repetir, o momento da efetiva repressão aos mandantes e financiadores dos crimes contra o estado democrático.
Atenção. Consoante informaram os jornais se está a tentar no Parlamento, por anistia, a volta à elegibilidade de Bolsonaro. Com disfarce, lógico. À frente, e novamente como massa de manobra, o projeto prevê a extinção da punibilidade aos condenados e investigados pelo STF.
No particular, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tirou da gaveta um projeto de anistia do então ex-presidente da OAB-Rio, Wadih Damus, hoje secretário nacional do consumidor.
O projeto Damus, como é conhecido, beneficiava Lula, à época condenado e preso. Nada tem a ver com golpismo bolsonarista. Situações totalmente diferentes.
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