Artigo, Fabrício Scalzilli, advogado RS - Somos todos vira-latas


O respeitável economista e filósofo Eduardo Giannetti traz no livro “O Elogio do Vira-Lata e Outros Ensaios” uma visão romântica do “complexo do vira-lata”, expressão cunhada inicialmente pelo escritor Nelson Rodrigues, em 1958, para definir a falta de confiança da seleção brasileira que jogaria a copa do mundo daquele ano, mas cujo sentido se ampliou para um sentimento de inferioridade do brasileiro e, por outro lado, até certo encantamento e valorização com o vem de fora do país.
Giannetti tenta mostrar em seus ensaios um outro lado desta realidade, onde o vira-lata representaria a miscigenação genética e cultural do Brasil; ou seja, o que temos de melhor. Para o economista é preciso ter orgulho de ser vira-lata e valorizar esta condição brasileira.
Faço esta introdução para sintetizar abaixo o que é realmente ser um “vira-lata” no Brasil. Dias atrás, voltando com minha família de uma viajem ao exterior, incluindo meus dois meninos, um de dois anos e meio e outro de apenas cinco meses, chegamos ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por volta das 5:30 da manhã, com conexão para Porto Alegre às 7:40. Havia, portanto, tempo suficiente para passar pelo controle de passaportes, pegar as malas – o que realmente fizemos em 30 minutos – e ir ao balcão da Gol Companhia Aérea, para pagarmos os cartões de embarque, entregarmos novamente as malas e irmos para o outro terminal de voos domésticos. Para minha incredulidade, mesmo chegando vários voos àquele horário, havia apenas uma única funcionária da companhia Gol trabalhando. Como resultado, a fila não parava de crescer e, naquela situação, minha família e outros certamente perderiam suas conexões. A título comparativo, outra companhia área, naquele dia, no lado oposto a Gol, tinha entre 6 a 8 posições, acredito, e todas estavam abertas com pessoas trabalhando e dando vasão ao volume de chegadas e conexões.
Levei imediatamente a minha preocupação a funcionária da Cia Gol quanto ao risco de perda da conexão, ainda mais tendo a necessidade de troca de fraldas e minha esposa de amamentar o nosso bebê, após 8 horas cansativas de voo. Fomos recebidos com tamanha rispidez e descaso que espantava. Sem sequer olhar nos nossos olhos, a funcionária disse simplesmente que era só ela mesmo ali trabalhando, que não poderia fazer nada e que aguardássemos na fila. Mais chocante foi quando, na fila, percebi uma senhora que aparentava entre 80 a 85 anos de idade, de cadeiras de rodas, sendo empurrada por seu filho, cansada e debilitada, sem qualquer prioridade ou assistência. Me vendo naquela situação, me dei conta exatamente do que é ser um vira-lata no Brasil e como o país te recebe. Mais chocante foi ver as pessoas na fila, conformadas, cansadas, num silencio constrangedor. Não havia forças para lutar contra àquela situação. Fato que muitas empresas, como a Gol Cia Aérea, nos tratam como vira-latas; o governo, que deveria fiscalizar e aplicar a lei nos trata como vira-latas, e, para piorar, os próprios cidadãos se tratam como vira-latas.
Como se imaginava, às sete horas da manhã, se arrastando, chega uma segunda funcionária, que vai ao seu balcão e ali fica alheia ao cenário de incredulidade. Várias pessoas numa fila, não sabendo, por falta de estrutura mínima da referida companhia aérea, se conseguiriam pegar a conexão para suas cidades. Nosso embarque era 7:10. Depois de quase uma hora na fila, a referida funcionária finalmente dá um sopro de vida e grita: “embarque para Porto Alegre aqui”, agora com uma urgência frenética e praticamente dizendo “corram para não perderem o voo”. Zarpamos em direção ao terminal doméstico, sem a certeza de que conseguiríamos embarcar. Absurdamente, logo em seguida nos deparamos com uma das maiores piadas de planejamento e construção em aeroportos brasileiros: os elevadores de Guarulhos. São minúsculos com capacidade para 2 a 5 pessoas, no máximo, conforme volume de malas e carrinhos. Deveriam estar preparados para transportar de 20 a 30 pessoas ou, quem sabe, numa ambição chinesa, 100. Os sábios engenheiros e planejadores então fizeram dois elevadores minúsculos, achando que assim o problema de fluxo estaria resolvido. Resultado: mais fila e perda de um tempo precioso, na gincana que a Gol, para economizar em estrutura e ganhar mais dinheiro, nos propiciou. Na ida, apenas a título ilustrativo, desistimos de esperar o elevador, pois do térreo ao segundo piso o mesmo sempre está cheio, sem conseguirmos acessá-lo no primeiro andar. Impossível acessar esses elevadores em horário de pico!
Chegamos no embarque na última chamada para o voo, com cara de reprovação dos funcionários da Cia Gol, como se fossemos nós os culpados, fora a cena constrangedora dos passageiros te encarando com a certeza de que nós realmente havíamos nos atrasado. Corremos tanto entre os terminais – o tempo médio é oito minutos caminhando e devemos ter feito na metade do tempo - empurrando carrinho, mala de mão e criança de colo, que chegamos exaustos, suados, sem chance de atender nossos filhos e suas necessidades mínimas, entre as conexões de São Paulo à Porto Alegre.
Neste momento vem a frase arrebatadora do piloto: “Em respeito aos nossos clientes às portas foram fechadas no horário e estamos prontos para partir”. Este deve ser o momento sublime que o economista e filósofo Eduardo Giannetti talvez enxergue no vira-lata brasileiro. Eu não, caro Giannetti. Para mim vale a máxima universal, aplicada em qualquer país sério: cidadão é cidadão, cliente é cliente e vira-lata é vira-lata. Somos hoje todos vira-latas no Brasil!

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