Editorial, Estadão - Babás da democracia

 O ano de 2024 deverá ficar marcado como aquele em que a mais alta cúpula do Judiciário foi ao limite de uma convicção: a de que precisa atuar como uma espécie de bedel da política brasileira. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e, por efeito imediato, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) empolgaram-se como nunca com o autoproclamado exercício de Poder Moderador, promovendo a resolução de conflitos entre os Poderes – por vezes, inflamando querelas entre instituições – e, sobretudo, extrapolando suas prerrogativas constitucionais. Não satisfeitos com o dever de analisar a constitucionalidade ou não das matérias que deliberam, não raro avançaram, por exemplo, sobre a própria execução de políticas públicas, como se fossem legisladores ou tomadores de decisão do Executivo, arvoraram-se em censores ou fixadores de tese de repercussão geral sobre práticas jornalísticas ou atuaram como câmara de conciliação entre partes.

Com tal condição, seria de estranhar se não avançassem também sobre direitos de eleitores e cidadãos. Nesta seara, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, recentemente se incluiu na galeria de bedéis na qual já estavam muitos dos seus pares no STF. A ministra anunciou que pode ser revista a possibilidade de usar o aplicativo e-Título para justificar, no mesmo dia da eleição, o não comparecimento à seção eleitoral. Segundo ela, seria uma forma de evitar o incentivo à abstenção. “Pode ser que no dia a gente diga: a justificativa no dia não será feita, será feita depois. Até para dar um tempo para a pessoa pensar”, afirmou a ministra, ao apresentar um balanço das eleições municipais. O relatório das eleições deste ano foi ainda mais direto, ao informar que o uso do aplicativo “haverá de ser revisitado”, sob o argumento de que seria contrário à obrigatoriedade do voto.

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