Jornal Valor de hoje, dia 5 de fevereiro - Entenda os impactos para o Brasil da guerra comercial iniciada por Trump

 Os reflexos das tarifas que o americano Donald Trump impôs a China, Canadá e México - e as respectivas retaliações - podem afetar fluxos comerciais do Brasil, mas não de imediato, dizem economistas. Eles estão mais preocupados com os desdobramentos da guerra tarifária que incluem inflação alta com atividade fraca nos EUA e juro americano elevado, além de dólar forte globalmente, tudo isso em um contexto em que o Banco Central do Brasil também tenta controlar os níveis dos preços por aqui.


“O conjunto agressivo de aumento de tarifa nos EUA faz com que a economia americana entre em cenário de possível estagflação”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. O impacto disso, diz, tende a ser mundial. Se, além do “ataque tarifário” de Trump, o mundo retaliar, o PIB dos EUA poderia cair mais de 1 ponto percentual, estima Vale. “Claro que Trump ainda pode reverter sua política, mas os sinais são de que ele vai aprofundar nos erros que tentou no primeiro mandato. Paga o mundo com menos crescimento e/ou recessão”, afirma.


No caso brasileiro, continua, como há também o impacto negativo via depreciação do câmbio, o cenário pode ser ainda mais complicado, pois uma desaceleração da atividade já está contratada este ano pelos juros. “O movimento americano só piora esse quadro e arrasta a gente para um cenário mais adverso, com potencial estagflacionário aqui também”, diz.


A disputa tarifária encabeçada por Trump está escalando rápido, observa Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), a partir, por exemplo, das respostas de autoridades do Canadá.


“A questão de fluxo de comércio para o Brasil é algo que não tem efeito grande imediato, porque vai depender do que vai acontecer, nos próximos meses, nessa escalada da guerra comercial e como cada país vai se ajustar. O efeito, realmente, é para as economias mais ligadas à disputa com Trump. Países que mantêm um certo equilíbrio com os EUA, como o Brasil, podem ter consequência direta desse processo, mas eu vejo isso numa escala de tempo”, afirma.


O Brasil, no entanto, é “totalmente afetado pelo juro americano e pela força do dólar”, diz Tingas. “A situação é complexa porque tem vetores de força de mercado para os dois lados. O melhor que o Brasil tem a fazer é tentar cuidar da própria casa para se fortalecer numa eventual conjuntura muito mais negativa.”


No governo, a reação foi de cautela e expectativa quanto à conversa que o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, terá com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick. A conversa, por telefone, estava prevista para acontecer na sexta-feira (28), mas não ocorreu e ainda não há data definida. O Valor apurou, no entanto, que a ligação pode acontecer mais provavelmente a partir da semana que vem.


Exportadores brasileiros também estão de olho na ordem executiva assinada pelos EUA no sábado para abrir uma investigação que pode levar à elevação de tarifas sobre produtos de madeira, incluindo a serrada e derivados, como móveis. A preocupação alegada é a segurança nacional, assim como no anúncio de tarifas universais sobre aço e alumínio, lembra Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Os argumentos são que tem muita oferta doméstica e a importação estaria tirando espaço disso.”


Embora esses itens não estejam no “top 10” das exportações brasileiras, os EUA, junto à Europa, são um dos principais destinos para a indústria de móveis e madeira do país, e as implicações de eventuais medidas podem ser substanciais, segundo Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e advogado do BPP Advogados. “Pode levar a tarifas adicionais ou cotas”, diz. “Dependendo da conclusão, as tarifas podem dificultar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado dos EUA.”


A investigação tem até 270 dias para ser concluída. “Dado o movimento mais agressivo de Trump, é provável que esse aumento aconteça”, diz Vale, acrescentando que “não será tão simples” mudar de comprador com o mundo e o Brasil crescendo menos. (Com Lu Aiko e Fabio Murakawa, de Brasília)

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