A esquerda tradicional levanta-se da mesa e diz não; a
nova faz o acordo e diz sim
O caso dos 19 deputados dissidentes do PDT e do PSB, com
destaques para os jovens Tabata Amaral, pelo PDT de São Paulo, e Felipe Rigoni,
do PSB do Espírito Santo, tem causado na imprensa.
O governo envia uma proposta de reforma da Previdência. A
esquerda tem diversos reparos. A esquerda tem outra proposta. Governo, esquerda
e, principalmente, o centrão negociam. Diversos pontos criticados pela esquerda
são retirados por intervenção do centrão.
A esquerda tradicional levanta-se da mesa e diz não. A
nova esquerda faz o acordo e diz sim.
Em 1985, o PT expulsou os deputados Airton Soares, Bete
Mendes e José Eudes por votarem no Colégio Eleitoral na chapa Tancredo Neves e
José Sarney contra Maluf, candidato dos militares.
Em 1994, o PT foi contra o Plano Real. Segundo Guido
Mantega, em artigo nesta Folha em 16 de agosto de 1994, “essa estratégia
neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficiente, é
socialmente perversa”.
Nossa hiperinflação foi fruto do desequilíbrio fiscal dos
estados após a redemocratização. Somente superamos a hiperinflação com a
renegociação da dívida dos estados com a União, lei 9.496 de 1997, e com a LRF
(Lei de Responsabilidade Fiscal). O PT votou contra ambos.
O PT também votou contra o Fundef, instituído pela emenda
constitucional nº 14, de setembro de 1996. O Fundef aumentou muito a eficiência
do gasto com educação e permitiu a universalização do ensino fundamental.
Qual é a justificativa para um partido que se preocupa
com a melhora da vida dos mais vulneráveis ser contra medidas que eliminam a
inflação e melhoram a eficiência do gasto em educação, para ficar em apenas
dois exemplos?
Há duas velhas esquerdas. A primeira aposta no quanto
pior, melhor. Simplesmente porque apenas deseja a melhora do país se estiver no
governo. Caso contrário, é melhor que o país se afunde ainda mais.
O segundo tipo de velha esquerda é a esquerda
autoritária. É aquela esquerda que diz que fez a crítica do socialismo real,
mas é mentira.
São autoritários. Têm alma autoritária. Acreditam que o
sofrimento produzido pelo capitalismo justifica a violência. É essa esquerda
que não consegue se desapegar de Cuba ou da Venezuela. Vergonhosamente se
silencia diante do relatório contundente da ONU produzido por Michelle
Bachelet, ex-presidenta do Chile.
Recentemente, o site de esquerda The Intercept Brasil
publicou texto de Amanda Audi (bit.ly/2YRHAER) sobre Tabata. Era para ser um
texto crítico à jovem deputada e aos movimentos cívicos que têm contribuído com
a preparação de uma nova geração de políticos.
Tabata é contra a agenda de maior presença privada no
ensino público, certamente é favorável à maior progressividade dos impostos e,
após os inúmeros ajustes feitos, foi favorável à reforma da Previdência. Pelo
bem do país.
A maior crítica do texto de Audi ao grupo do qual Tabata
participa é que eles se preocupam “que a escola prepare os alunos para servir
ao capitalismo”.
Para essa esquerda pobre, tacanha e mesquinha, um pobre
que, em razão de uma boa educação, progride e tem elevada renda no setor privado
serve ao capitalismo. Esse pensamento é intrinsecamente autoritário.
Temos a nova esquerda. E temos a velha esquerda. Esta ou
é oportunista, jogando no quanto pior, melhor, para garantir seu emprego no
aparelho do Estado, ou é a velha esquerda que não foi civilizada pela queda do
muro.
Que venha a nova esquerda. A velha certamente morrerá de
morte morrida.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e
sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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