Artigo, Marcus Vinicius Gravina - Lição histórica deturpada

A frase lapidar de Abraham Lincoln atravessou séculos até ser deturpada, em sua essência, pelos políticos brasileiros. Foi proferida no discurso de Getysburg em novembro de 1863: “Governo do Povo, Pelo Povo, Para o Povo”.


No Brasil  é: “Governo do Político, Pelo Político  e Para o Político”.


Uma das provas desta artimanha encontra-se na Constituição Federal, quase despercebida, bem no início, define os poderes da União como independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 


A pretendida independência entre os poderes, transformou-se em uma das tantas fraudes impostas ao nosso povo, ao permitir a interferência do Chefe do Poder Executivo no Legislativo.


Talvez a única conquista da Democracia tenha sido a supressão do poder do Soberano, que parece ter ressurgido em nossos dias, com o presidencialismo, em que o chefe do Poder Executivo pode tudo, desde a nomeação dos ministros do STF que irão julgá-lo  e, de forma avassaladora, a interferência na composição da Câmara dos Deputados e no Senado ao retirar das duas Casas Legislativas, parte de seus membros para o exercício de cargos de Ministros de Estado.


Esta situação está configurada na CF e deve merecer a atenção especial dos novos eleitos para Câmara dos Deputados e Senado.


Art.56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária.

§3º. Na hipótese do Inciso I, o Deputado ou Senador poderá optar pela remuneração do mandato. 



A CF nos obriga a votar e escolher, especificamente, quem irá fiscalizar os atos da Administração (presidente) e a elaborar as leis em nosso nome - e sem a concordância dos eleitores - o presidente invade o Poder Legislativo- 

para retirar dele nomes que irão servir às suas ordens, provocando alteração na composição nominal da Câmara e do Senado, sem perda dos  mandatos legislativos e com o direito de optarem pelos vencimentos do executivo ou do legislativo. Prova de legislar em causa ou benefício próprios. Uma excrescência!


Assim o princípio da separação dos poderes não passa de engodo  consentido pelos constituintes de 1988. Foi como os deputados reservaram para si na CF este abjeto “mercado ministerial de troca de balcão”, que os transformou em políticos polivalentes e muito valiosos a peso de ouro. O ato de cooptação de deputados e senadores assemelha-se, diante dos olhos dos eleitores, a um sequestro praticado pelo presidente da República. 


Da noite para o dia, os deputados e senadores nomeados ministros  exoneram-se de suas funções para votarem as matérias encaminhadas pelo presidente e logo voltam às suas pastas ministeriais. Desta forma o poder dado ao presidente faz com que ele tenha os seus infiltrados sob suas rédeas nas duas Casas do Congresso Nacional, como sendo seus olhos, ouvidos e porta-vozes.


Este jogo duplo de deputados e senadores - em respeito aos eleitores, cidadãos brasileiros - tem de acabar. Para isto, basta uma PEC que altere os dispositivos da CF acima citados, para não permitir a nomeação de quem foi eleito para o Poder Legislativo ou, se mantiver a possibilidade, determine-se a perda dos respectivos mandatos eleitorais dos que traírem seus eleitores  e aceitarem cargos no Poder Executivo por não assumirem o efetivo mandato que receberam do povo. 


Caxias do Sul, 22.02.2023


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