Artigo, Eugênio Esber, Zero Hora - Iceberg

- O autor é colunista de Zero Hora, que disponibiliza leitura apenas para assinantes. O editor é assinante do jornal. 

Não foram poucas as vezes em que ouvi de executivos, gestores e pessoas sujeitas ao escrutínio da opinião pública o receio de atender a demandas de imprensa que lhes pareciam contaminadas por viés – seja do veículo, seja do profissional. O relacionamento entre fontes e jornalistas é assunto espinhoso, minado por incompreensões de parte a parte. Mas entre tantos tópicos, variáveis e circunstâncias que cabem nesta questão, detenho-me, aqui, em uma abordagem que me parece importante – o desafio da imprensa de refletir a diversidade de visões sobre os temas cruciais do debate público, de modo a evitar o alinhamento, por vezes passional, com grupos de interesse como partidos políticos, entidades de lobby e autoridades de governo ou de Estado.


Embora tenha resistência ao uso da rotulagem “esquerda” e “direita”, que me parece artificial e enganosa como grande parte do discurso político, sirvo-me, à falta de outro parâmetro, desta classificação que inspirou duas pesquisas sobre o perfil dos jornalistas. Em 2022, a Syracuse University (EUA) pesquisou 1,6 mil jornalistas norte-americanos e constatou ampla hegemonia da “esquerda”: 36,4% dos profissionais se identificam com o Partido Democrata. O Partido Republicano, conservador, tem 10 vezes menos simpatizantes – 3,4%. No Brasil, mesmo padrão. Uma enquete online realizada em 2021 pela Universidade Federal de Santa Catarina buscou saber como 6.650 jornalistas brasileiros se definiam politicamente. 52,8% se disseram “de esquerda”; 25,9% de “centro-esquerda; e 2% assumem ser de “extrema-esquerda”. A soma resulta em 80,7% de “esquerdistas” ante 4% de “direitistas”.


Esta correlação de forças contrasta com o perfil da população brasileira, a quem, em princípio, o jornalismo busca servir. O Ipec (ex-Ibope) divulgou na semana que passou uma pesquisa segundo a qual brasileiros identificados com a “direita” correspondem a 24%, enquanto 11% se dizem de “esquerda”. Se a soma incluir os centristas que pendem para um dos dois lados, tem-se 45% no espectro da “direita” e 21% no bloco da “esquerda”. A consequência óbvia é que largas parcelas da população, de tendência conservadora, não vejam seus valores e seus pontos de vista refletidos na chamada grande imprensa. Ao mesmo tempo, depararam com páginas e noticiários do jornalismo profissional referindo-se aos bárbaros que trucidaram famílias indefesas em Israel, em 7 de outubro de 2023, como “combatentes” ou “militantes” do Hamas, não como terroristas – ofensa prontamente dirigida a centenas de brasileiros que tomaram parte, sem armas, dos atos de protesto do 8 de janeiro que descambaram, em circunstâncias ainda não conhecidas, para ações de vandalismo. O que explica tamanho disparate?


Se quiser reconciliar-se com a audiência conservadora, a imprensa precisará distanciar-se de paixões que pulsam interna corporis. Mas não é esta a tendência que vislumbro face ao aguerrimento de uma corrente que flerta com um novo conceito de “objetividade”, em que o jornalista é árbitro da verdade e, portanto, está dispensado do dever de ouvir ou dar voz aos dois lados quando sua convicção assim recomendar. É um delírio, claro. Mas talvez só haja uma correção de rota quando o iceberg estiver inapelavelmente perto.



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