Eliane Cantanhêde: De jararaca a crocodilo
Não sobra pedra sobre pedra, mas Lula tinha cartão
pré-pago milionário fora de campanha
Publicado no Estadão
O ex-presidente Lula tem razão ao dizer que “cai a
máscara” de todo o mundo político, porque tudo é realmente esclarecedor, além
de estarrecedor, nas delações da cúpula da Odebrecht. Mas que adjetivo usar
para a “conta Amigo” da Odebrecht? Era uma saco sem fundo, um cartão pré-pago
em favor de Lula e gerenciado pelo ex-ministro Antonio Palocci.
Na versão de Marcelo Odebrecht, tanto para o juiz Sérgio
Moro quanto para os procuradores, eram R$ 40 milhões à disposição de Palocci, o
“Itália” das planilhas, que enviava emissários com sacolas para sacar R$ 1
milhão, R$ 2 milhões, R$ 3 milhões – em espécie!
Mesmo quando entravam em campo ministros como Guido
Mantega e Paulo Bernardo, quem dizia “sim” a operações, negociatas, pagamentos
e saques era Palocci. Está claro que ele agia como tesoureiro pessoal de Lula.
E, aliás, jamais revelou quem era o proprietário real do apartamento de R$ 7
milhões que foi o pivô de sua queda da Casa Civil.
Nos demais envolvidos, havia caixa 2 e/ou relação de
causa e efeito entre doações de campanha e favorecimento à empresa em
licitações ou votações no Congresso, mas Lula tinha um tratamento muito
diferenciado, com um saldo livre, independentemente de campanhas, mais uma
ajudazinha para seu filho, seu irmão, seu sítio… A Odebrecht comprou não um
mandato, mas o próprio Lula.
Ao atingir tão profundamente Lula, que já é réu em cinco
processos, as delações têm impacto decisivo em 2018. Com Lula na disputa, o
cenário é um, excluindo outros candidatos à esquerda e deixando os demais
girando em torno dele. Sem Lula, o cenário é outro, com um estouro da boiada à
esquerda, ao centro e à direita, repetindo aquela multidão de candidatos de
1989, quando se deu o desastre Collor.
Aliás, o que é a Odebrecht? Um conglomerado empresarial,
uma empreiteira, um banco ou uma fábrica de corrupção? Sabe-se agora onde foram
parar R$ 450 milhões que fluíram para os políticos, mas falta explicar de onde
vieram. E ainda tem OAS, Camargo Corrêa…
Os vídeos e áudios, transmitidos incansavelmente, são a
maior aula de política brasileira jamais vista ou imaginada neste País, mas
vocês já repararam a tranquilidade, a coloquialidade, com que Emílio e Marcelo
Odebrecht descrevem esse roteiro macabro? Eles falam as coisas mais absurdas
como se fosse um palitar de dentes, assim como os executivos da empresa se
referem ao tal Setor de Operações Estruturadas como se fosse normal como o
almoxarifado. Isso revela décadas de compra do poder, tanto que são listados
todos os ex-presidentes vivos, Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma.
Não há um governo, um dos maiores partidos, um dos
principais líderes que escapem do terremoto. Não parece sobrar pedra sobre
pedra nas pré-candidaturas petistas nem tucanas nem peemedebistas para 2018,
nem legitimidade para os atuais e ex-presidentes da Câmara e do Senado tocarem
a reforma da Previdência.
A estratégia do Planalto e do mercado de tentar separar
duas pautas para o País, uma da Lava Jato, outra do “Brasil real”, parece não
ter resistido dois dias. Se o presidente Michel Temer cumpriu agenda normal na
quarta-feira, ontem já gravou um vídeo para negar que tenha participado de um
pedido de US$ 40 milhões para o PMDB em uma reunião em São Paulo: “Jamais
colocaria minha biografia em risco”. Ele acusou o golpe.
Piada. Em nota, assessores de Dilma dizem que “todas as
decisões do seu governo foram voltadas ao desenvolvimento do País, buscando o
bem-estar da população, a partir do programa eleito nas urnas”. Uma frase, três
piadas.
Guerra. Como as delações são em vídeos, as reações dos
políticos (FHC, Temer, Renan…) também passaram a ser. É vídeo contra vídeo.
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