REVISTA EXAME
“A lava-jato ainda é uma exceção no país”, diz Dallagnol
Para Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação
Lava-Jato, a impunidade ainda é a regra no país
Por Filipe Serrano access_time 28 jul 2017, 06h00
Deltan Dallagnol, do MPF-PR: a Lava-Jato não garante uma mudança
permanente (Heuler Andrey/AFP)
São Paulo — O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa
da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal em Curitiba, acredita que é
errada a ideia de que a investigação será um ponto de virada na política e nas
empresas que fazem negócios com o governo. Para ele, a operação sozinha não
será capaz de realizar uma mudança tão profunda como essa. Em dois encontros
com a reportagem de EXAME, um em Curitiba e outro em São Paulo, onde ele estava
para o lançamento de seu livro A Luta Contra a Corrupção, Dallagnol disse que a
Lava-Jato ainda é uma exceção no país e que a maioria dos crimes de corrupção
continua impune. Para ele, somente uma mudança mais profunda nos sistemas
político e eleitoral será capaz de evitar outros escândalos da mesma dimensão.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Exame – Por que a Lava-Jato conseguiu condenar os acusados de
corrupção, ao contrário de outras operações semelhantes antes dela?
Dallagnol – Por causa das prisões preventivas e temporárias. No caso da
Lava-Jato, os crimes eram recentes e existiam razões para a prisão dos
investigados por causa do risco de uma repetição dos crimes. Quando um
investigado é preso preventivamente, existem prazos a ser cumpridos e depois a
pessoa é solta. Portanto, todos os procuradores da força-tarefa precisam
priorizar aquele caso. Isso fez com que as condenações saíssem de forma mais
rápida.
Exame – Na sua opinião, a Lava-Jato já produziu algum avanço
institucional no Brasil?
Dallagnol – Sim, mas os avanços significativos vieram do Judiciário.
Foram basicamente dois: a proibição do financiamento empresarial das campanhas
eleitorais e a possibilidade de execução da pena após a confirmação da
condenação criminal em segunda instância. É possível ainda que haja um terceiro
grande passo, por meio de uma decisão do Supremo Tribunal Federal de reduzir o
foro privilegiado ao mandato vigente dos políticos [a votação do STF foi
suspensa em 1o de junho depois de o ministro Alexandre de Moraes pedir vista do
processo — quatro dos 11 ministros votaram a favor da restrição].
Exame – Se a limitação for aprovada, qual será o impacto?
Dallagnol – Pode ajudar em novas investigações. É só chegarmos às
eleições seguintes e todos os políticos perdem automaticamente o foro se
tiverem praticado crime no mandato anterior. Na Lava-Jato, a maioria dos crimes
com foro foi praticada em mandatos anteriores e poderia ser julgada em primeira
instância.
Exame – Quais outros problemas barram as investigações?
Dallagnol – O principal é a lentidão do sistema judiciário. Essa
ineficiência gera um sistema prescricional, que, em razão da demora nos
processos, acaba favorecendo a impunidade. Além disso, as penas relativas aos
casos de corrupção são baixas, e não raro o réu é solto depois de cumprir 25%
da pena. Por exemplo, personagens centrais do mensalão, como José Dirceu,
Valdemar da Costa Neto e Pedro Henry, tiveram penas de pouco mais de sete anos
de prisão. Um ano depois já começaram a cumprir prisão domiciliar. Dois anos
depois já estavam indultados. É um sistema que coloca os direitos da sociedade
em segundo plano e o dos indivíduos em primeiro.
Exame – Fora do Judiciário, houve algum progresso?
Dallagnol – Infelizmente, não, especialmente no Legislativo. O
Congresso não deu nenhuma resposta significativa para combater a corrupção. É
pena, porque é no Congresso onde de fato se podem fazer as mudanças de maior
impacto. Se a sociedade quer que o Ministério Público, a Polícia Federal e o
Judiciário cheguem ao andar mais alto do arranha-céu dos criminosos — as
pessoas que estão na elite política e econômica e que decidiram usar seu poder
em proveito próprio —, é preciso ter instituições fortes e instrumentos adequados
de investigação.
Exame – Então é errada a ideia de que a Operação Lava-Jato é um ponto
de virada para o Brasil?
Dallagnol – Sim, é errada. A Lava-Jato é um passo necessário, mas ela
não é suficiente para garantir uma mudança permanente no combate à corrupção no
Brasil. Em primeiro lugar, porque a Lava-Jato ainda é um ponto fora da curva no
que se refere à impunidade. Em segundo, porque existem muitos estímulos à
corrupção dentro do sistema político, e eles devem ser corrigidos.
Exame – Que tipo de estímulos são esses?
Dallagnol – Um deles é o número astronômico de candidatos. Eles
concorrem entre si dentro dos partidos e em seus estados. Para despontar,
precisam de um volume de recursos muito elevado. Há uma seleção natural. Os
candidatos com mais dinheiro para bancar as campanhas, incluindo os que têm
mais caixa dois e propina, são os mais favorecidos. É possível que nós só
elejamos aqueles que praticam crimes. Precisamos fazer com que os políticos
sérios não sejam empurrados ou incentivados a praticar a corrupção.
Exame – Sem uma reforma eleitoral e política não seria possível
garantir o avanço feito até agora?
Dallagnol – Sim, esse é o grande ponto. A Lava-Jato fez um diagnóstico
do problema, mas ela sozinha não será suficiente para trazer mudanças
estruturais. O lado bom é a mudança que vem sendo provocada na sociedade. Um
renomado professor de direito me disse uma vez que, na perspectiva dele, a
Lava-Jato deixou de ser um processo com um número específico de casos judiciais
para se tornar um novo exemplo de atitude para uma nova geração. Uma geração
que quer usar a Constituição e as leis de modo inovador para proteger a
-sociedade contra a corrupção.
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