- Reportagem da Deutshe Welle.
Policias militares, encarregados de manter a ordem e a lei, se
tornaram nesta semana pivô de caos e violência no Ceará. Insatisfeitos com uma
proposta de reajuste salarial, parte dos policiais da cidade de Sobral se
amotinou, ocupou quartéis com capuzes que escondiam seus rostos e ordenou que o
comércio fechasse as portas.
O auge da tensão ocorreu na
(4ª) feira (19.fev), quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi atingido
por dois disparos de arma de fogo ao tentar entrar, com uma retroescavadeira,
num batalhão da Polícia Militar ocupado pelos amotinados. Cid, irmão do
ex-governador do Ceará e ex-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT), já deixou
a UTI do hospital e passa bem.
Os policiais protestam contra
a proposta apresentada pelo governo de Camilo Santana (PT) que aumenta o
salário dos soldados de 3.475 reais para 4,5 mil reais, escalonado em três
vezes até 2022. Eles querem o reajuste total imediato e 1 plano de carreira.
A Constituição proíbe greves
de policiais militares, restrição confirmada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 2017. Ainda assim, há diversos casos registrados de paralisações de
agentes nos últimos anos no país, em geral seguidos de picos de violência.
Entre as manhãs desta quarta e
6ª feira, o Ceará registrou 51 assassinatos – uma média de 25,5 por dia (ou
mais de 1 por hora), mais do que quatro vezes a média estadual até então neste
ano, de seis homicídios diários.
Na tentativa de controlar os
policiais amotinados e garantir a segurança pública no estado, o ministro da
Justiça, Sergio Moro, autorizou o envio da Força Nacional de Segurança, e o
presidente Jair Bolsonaro editou 1 decreto que autoriza o uso das Forças
Armadas para Garantia da Lei e da Ordem no estado.
A cena de comércios fechando
portas mais cedo por ordem de homens encapuzados e a escalada da violência no
Ceará lembraram a crise de segurança pública que atingiu o estado em janeiro de
2019, quando uma onda de ataques a veículos, prédios públicos, comércios e
instalações de infraestrutura também exigiu o envio da Força Nacional de
Segurança.
A crise do ano passado, porém,
havia sido provocada por 1 conflito entre facções criminosas que disputavam o
controle do tráfico de drogas, e eclodiu após o estado se tornar 1 dos mais
violentos do país. Os episódios deste mês não têm, até o momento, relação com
facções criminosas, e acontecem após o Ceará ter reduzido significativamente o
número de homicídios.
A SITUAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO CEARÁ
No Atlas da Violência de 2019,
que compilou dados de 2017, Fortaleza despontou como a capital mais violenta do
país, e o estado do Ceará alcançou a terceira maior taxa de homicídios do
Brasil, 48% superior à do ano anterior.
Naquele momento, o aumento da
violência se relacionava à crescente atratividade do Ceará como via de
exportação de drogas, em função de a região de Fortaleza ter ganhado 1 novo
porto e se tornado 1 hub para companhias aéreas que fazem trajetos para a Europa.
Essa facilidade de conexão com
países europeus chamou a atenção de facções criminosas. O Primeiro Comando da
Capital (PCC), originado em São Paulo e já presente no estado, passou a
investir no tráfico de drogas no atacado e entrou em confronto com facções
cearenses aliadas ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, afirmou à DW Brasil o
pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autor
do livro A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil.
Em 2016, surgiu no Ceará uma
nova facção, a Guardiões do Estado, próxima do PCC e formada por integrantes
mais jovens e muito violentos, que entrou em conflito com o Comando Vermelho,
com chacinas de pessoas inocentes e vinganças seguidas entre os dois grupos.
Esse confronto, segundo Paes Manso, elevou o número de homicídios no estado e
atingiu seu ápice em 2018.
Em 2019, no início do governo
Camilo Santana, o novo secretário de Administração Penitenciária decidiu mudar
as regras de disciplina em presídios e de separação das facções, o que promoveu
uma série de revoltas entre os presos e deflagrou a onda de violência.
“Houve mais de 300 ataques na
capital e na região metropolitana, quase terroristas, com bombas em viadutos,
incêndios em ônibus. As pessoas ficaram em pânico”, lembra Paes Manso.
Durante essa reação, os grupos
rivais se uniram para atacar as forças do estado, e dali nasceu uma trégua
entre as facções que acabou levando a uma “redução sem precedentes” do número
de homicídios. Em 2019, o Ceará foi o estado que registrou a maior queda no
número de assassinatos no país, de cerca de 50%. Agora, “o [governador] Camilo
ainda estava festejando essa queda, e veio a crise dos policiais”, relata Paes
Manso.
AS CIRCUNSTÂNCIAS DO LEVANTE DA POLÍCIA
O motim dos policiais
militares cearenses tem como motivo declarado a pressão por maiores salários,
mas também inclui 1 componente da disputa política local, afirma Rafael
Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“O líder dos policiais
amotinados, Cabo Sabino, faz oposição ao governador do Ceará. Há uma questão
política para tentar desestabilizar o governo, que estava indo bem na redução
dos índices criminais”, diz.
Para Alcadipani, o fato de
Bolsonaro ser o atual presidente da República também ajuda a criar 1 “clima
positivo” para os policiais amotinados. “Bolsonaro e seu grupo têm
historicamente apoiado policiais amotinados pelo país, propondo anistias. Ele
tende a ter mão leve nessas situações. O próprio Bolsonaro foi1 amotinado, e
por isso foi expulso do Exército”, afirma.
O professor da FGV acrescenta
uma questão de fundo que ajuda a fomentar a insatisfação dos policiais: a baixa
remuneração e a falta de estrutura de polícias de todo o país, incluídas as do
Nordeste. Mas ele diz que isso não pode justificar atos como os do Ceará.
“É importante, primeiro, ter
uma polícia bem estruturada, para que não haja motivos para greve. Agora, na
medida em que isso acontece, é preciso agir com mão dura. Isso não pode
acontecer, é muito grave uma polícia se amotinar contra a população”, afirma.
Para Alcadipani, os policiais encapuzados filmados ordenando o fechamento do
comércio em Sobral agiram como criminosos e deveriam ser presos e expulsos da
corporação.
Paes Manso concorda que é
necessária uma reação exemplar contra os policiais amotinados. “Eles devem ser
punidos e demitidos, não se pode aceitar esse tipo de chantagem criminosa”,
afirma, lembrando que há cerca de 500 mil policiais armados no país. “E se eles
quiserem mandar no país, como vai ser? Se os governadores perderem o controle,
teremos uma situação difícil.”
O pesquisador da USP também
cita o reajuste de até 47% concedido aos policiais pelo governador de Minas
Gerais, Romeu Zema (Novo), apesar de o estado estar em crise fiscal, como
estímulo ao motim no Ceará.
“Ele assumiu
prometendo rigor fiscal, mas é 1 novato na política e, pelo jeito, fraquejou
diante da pressão da corporação em Minas. Isso promoveu 1 efeito enorme de
tensão em várias polícias no Brasil”, avalia Paes Manso, que teme eventuais
futuras mobilizações em outros estados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário