Artigo, Guilherme Baumhardt, Correio do Povo - Bipartidarismo a fórceps

Disputa apenas entre dois lados é cada vez mais real

O fracasso – ao menos até aqui – de uma terceira via não deixa de ser um convite para algumas reflexões interessantes. E arrisco adentrar nesse universo sem contar com bola de cristal, sem máquina do tempo e correndo grandes riscos de errar. Mas vamos em frente. O papel aceita tudo, inclusive o erro, tornando o equívoco imortal, para sempre ser lembrado.


Durante anos, no Brasil, era praticamente pecado ser “de direita”, um resquício torto do período militar brasileiro. Torto porque nossa ditadura, embora tenha surgido como reação à ameaça comunista, pouco ou nada teve da direita liberal, com a redução do tamanho do Estado. Era uma ditadura que adorava a Petrobras, que deu vida a novas universidades públicas federais, que agigantou a máquina pública – nesse aspecto perdendo apenas para as gestões petistas e sua insaciável fome por cargos e empresas públicas, quase sempre mal geridas.


“Mas e o PSDB e o neoliberalismo? E as privatizações?”. O tucanato privatizou, sim, meia dúzia de estatais. Não por convicção, mas por pragmatismo de momento, para salvar o governo e, por tabela, o país. Fazendo um pouco de esforço é possível imaginar Fernando Henrique Cardoso correndo para o consultório do psicanalista, rumo ao divã, após a venda da Telebrás e da Vale do Rio Doce, para tratar dos seus dilemas e dúvidas existenciais.



Pouco antes da eleição de Jair Bolsonaro, a direita brasileira – que parecia ter em Roberto Campos uma espécie de representante único, quase um “cotista” da época – resolveu soltar o verbo e colocar o bloco na rua. A chegada ao poder do atual presidente, levando a reboque o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, é o primeiro sinal desses novos tempos.


Se agora há uma direita, que está no poder, que não tem vergonha de ser chamada de direita e estamos em pleno ano eleitoral, quem irá combatê-la? Há o caminho óbvio, natural, da esquerda, aglutinada nesse momento ao redor do ex-presidiário, do PT e seus partidos satélites. Durante algum tempo muitos acalentaram a esperança de construir uma alternativa, para quebrar a polarização – a chamada terceira via.

O andar da carruagem, com as melancias se ajeitando na caçamba, mostrou que isso não passa de um embuste, não passa de uma ilusão. Como? Simples. Doria passou a elogiar Lula, que terá como vice Geraldo Alckmin, que um dia já usou orgulhosamente um macacão da Petrobras, com um boné dos Correios enfiado na cabeça, na tentativa de salvar uma eleição contra Lula, quando eles tentavam mostrar que eram diferentes, mas eram certamente muito mais parecidos do que muita gente imaginava. Terceira via? Sério?



Nosso sistema de financiamento político, com dois fundos bilionários, não nos permite fazer a faxina necessária na salada partidária brasileira. Ter uma legenda virou um grande business, um excelente negócio. Ainda assim, apesar dos pesares, estamos caminhando para uma espécie de “bipartidarismo” ao natural. Se não com dois partidos única e exclusivamente, temos agora dois lados com posições bem definidas. Não chega a ser um problema. Nos Estados Unidos é assim. Existem inúmeras siglas, mas o protagonismo está reservado a Republicanos e Democratas.


Ainda temos a decisão de 2022, mas arrisco a dizer que, se a polarização for mantida, teremos – enfim – duas visões políticas disputando poder e espaço daqui para frente. Nossos ânimos ainda estão muito acirrados, mas dentro de um exercício de futurologia não vejo como algo impossível, em 2026, uma aproximação em direção ao centro promovida pelos dois lados. Mas com a direita sendo direita e a esquerda sendo esquerda. A “moderação” viria dos nomes e dos perfis. De um lado um Tarcísio Gomes de Freitas e do outro um tucano finalmente se assumindo como esquerda. Ou um petista mais light. A ver.


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