Eliane Cantanhêde: ‘Mundo de sombras’
Em vez de eternizar o PT no poder, Antonio Palocci ajuda
a exterminar o partido
Por: Augusto Nunes 29/09/2016 às 0:17
Publicado no Estadão
Tivesse mantido a aura de médico sanitarista, prefeito
bem-sucedido de Ribeirão Preto (SP) e ás do diálogo e da composição, Palocci
teria todas as condições para disputar a sucessão de Lula em 2010. Tinha um
patrimônio pessoal: sólidas relações em três mundos cada vez mais embolados, o
político, o empresarial e o financeiro. E tinha um patrimônio herdado de Lula:
o crescimento econômico de 7,5% naquele ano.
Seria imbatível dentro do governo, da base aliada e do
próprio PT, já que José Dirceu tinha a máquina do partido, mas jamais foi
próximo o suficiente de Lula para ser lançado por ele à Presidência e começou a
balançar já no início da era petista, quando seu braço direito, Waldomiro
Diniz, foi flagrado pedindo propina… a um bicheiro. Dirceu foi afundando até
ser tragado pelo mensalão. Quanto mais ele submergia, mais Palocci emergia.
Dirceu caiu da Casa Civil de Lula em junho de 2005 e
Palocci caiu da Fazenda menos de um ano depois, metido numa casa suspeita no
bairro mais rico de Brasília e em figurinos bem diferentes do jaleco do médico
do bem, cara bonachão, maridão exemplar, político acima de qualquer suspeita.
Segundo o caseiro Francenildo Pereira, a tal casa era usada para orgias à noite
e para acomodar pastas de dinheiro durante o dia.
O destino ainda deu uma segunda chance a Palocci. Por
intermédio de Lula, virou o cérebro da campanha de Dilma Rousseff, caiu nas
graças dela e voltou por cima a Brasília: do antigo Ministério da Fazenda,
subiu para a chefia da Casa Civil, no Planalto. Mas ele desabou de novo, agora
sob o peso de contas milionárias, empresas mal explicadas e negócios esquisitos
que, tantos anos depois, continuam vagando como fantasmas – dele e do PT.
O “Italiano”, como Palocci é chamado nos e-mails da
Odebrecht, deveria ser o guardião da economia nacional, mas cuidava era das
contas milionárias do PT e era pau para toda obra da maior empreiteira do País.
É suspeito de dar jeitinhos para ajustar regras de IPI numa medida provisória,
favorecer a empresa no nebuloso negócio dos navios-sonda e mergulhar até no
projeto de submarinos da Marinha, o Prosub. Como “é dando que se recebe”,
Palocci é acusado pelos investigadores de dar uma força para a Odebrecht com
uma das mãos e embolsar uma gorda porcentagem com a outra.
Lá atrás, com a queda de Dirceu e de Palocci em 2005 e
2006, Lula chegou a namorar a tese de um terceiro mandato, mas os amigos e o
bom senso entraram em campo para dissuadi-lo dessa saída “bolivariana” e só
restou para sua sucessão em 2010 o nome de Dilma, que não tinha a liderança política
de Dirceu nem a habilidade pessoal e o trânsito de Palocci. Uma tragédia.
A vida não é feita de “se”, mas impossível não derivar
para uma reflexão quando Palocci é preso pela Lava Jato: se fosse realmente
grande, como se imaginava, ele poderia ter sido o candidato do PT à Presidência
em 2010 e toda a história poderia ter sido muito diferente. Mas Palocci,
segundo o despacho de Moro, preferiu usar as campanhas e os mais altos cargos
da República para achacar empresários, fazer negócios escusos e amealhar a
bagatela de R$ 128 milhões (fora os R$ 70 milhões ainda em
investigação) para o PT. Moral da história: ao tentar eternizar o partido no
poder, ele se transformou no oposto – em agente decisivo para ameaçar o PT de
extermínio.
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