José Nêumanne: Na casa de Noca
O facínora de faroeste anistia-se a si mesmo e o coco de
Mussolini troca carnificina na rua por champanhota na chalana
“Eu quero dizer que é constitucional a figura da anistia,
qualquer que ela seja”, disse o mais novo Ruy Barbosa da praça. Trocando em
miúdos essa frase cretina, pode-se chegar à conclusão de que, se todos os
autores de crimes hediondos forem anistiados por uma benemerência de seus
coleguinhas parlamentares, a decisão será fiel à Constituição da República? Não
o leve a mal, caro leitor. O entrevistado de sábado no Estadão quer apenas
anistiar os partidos políticos que cometerem crimes fiscais em campanhas
eleitorais. “Delação só deve ser admitida com delator solto”. Será que o
distinto cavalheiro, que, por enquanto, está solto, se candidata à delação?
Qual o quê! Quer apenas desmoralizar delações de criminosos confessos presos
para livrar-se das acusações que pesam sobre seus ombros. A que a Operação Lava
Jato poderá levar o Brasil, se não for contida sua natureza de “inquérito
universal”? A resposta do distinto foi magnânima: “Não acho que deva ser
extinta, mas conduzir ao ponto que (sic) estamos chegando da criminalização da
vida pública, é o que nos envia para a tirania”. Ou seja, como já disse o padim
Lula, político corrupto que ganha eleição deveria gozar de impunidade. E Papai
Sarney fez tanto pelo Brasil que não deveria participar dessa tolice de
igualdade de todos perante a lei. Com direito a estender a prerrogativa a seus
apaniguados?
O autor dessas frases lapidares (são verdadeiras
pedradas!) não tem autoridade nenhuma para proferi-las. Mas tem poder. Ah,
isso, tem, sim! Pode crer, preclaro leitor. O cidadão chama-se Edison Lobão,
tem 81 anos e é maranhense de Mirador. Adquiriu o
conhecimento jurídico com que nos tenta impingir as pérolas reproduzidas no
Estadão de sábado em entrevista que deu a Julia Lindner e Caio Junqueira,
quando era jornalista (medíocre) de província ou carregando pasta de José
Sarney, mercê de quem foi governador do Maranhão de 1991 a 1994, é senador e
fez o filho suplente e também titular, enquanto era ministro de Minas e Energia
(de 21 de janeiro de 2008 a 31 de março de 2010), no governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e, depois, durante o primeiro mandato da presidente Dilma
Rousseff. No Senado, atuou no chamado “baixo clero” e, no Ministério,
desempenhou o papel atribuído pela sabedoria popular a quadro de Cristo em
prostíbulo: “a tudo assiste e nada fala”. Pois, sob sua carantonha de facínora
de faroeste passou despercebido o maior escândalo de corrupção da História da
humanidade: o propinoduto da Petrobrás. Por conta dessa
distração, coitado, é investigado pela Polícia Federal (PF) e pela força-tarefa
da Operação Lava Jato. É que é acusado de prática de corrupção passiva por
delatores premiados, alguns dos quais, por sinal, estão soltos.
Embora cumpram pena no conforto do lar, sem carregar as
bolotas de ferro dos Irmãos Metralha de Walt Disney, mas tornozeleiras bem
menos incômodas. Justiça seja feita a Lobão: ele não podia perceber a
roubalheira da Petrobrás mesmo, pois, afinal, ocupava-se em não deixar pedra
sobre pedra do setor mineral e energético nacional. Nisso, aliás, funcionou com
perícia e astúcia.
O poder fica por conta do grupo do PMDB que, sob a
liderança de Renan Calheiros, dá as ordens no Senado da República. A ponto de
fazê-lo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com
prerrogativa de pautar projetos que só serão votados em plenário após passarem
por seu crivo. Seu saber jurídico, adquirido na condição de suspeito e acusado,
determinará o destino de projetos dos sonhos dele e de mais uma dezena de
coleguinhas que frequentam a referida comissão. Tais como a anistia para caixa
2 de partidos e políticos que desconhecem as leis fiscais que as instituições a
que pertencem aprovaram por maioria, e o destino dos investigadores que, por
ironia do destino, pisam nos seus calos.
A fotografia de André Dusek que ilustra a entrevista do
indigitado Grão-Senhor do Norte poderia ser reproduzida e emoldurada na parede
da CCJ e também servir de símbolo para a Casa de Noca na qual todos moramos
neste país, cuja bandeira clama por “ordem e progresso”, mas onde os políticos
preferem anistia só pra eles e instituições policiais e judiciárias amordaçadas
e algemadas. Não se trata de uma exclusividade do Poder Legislativo, que tem a
agravante de se dizer “representante da cidadania”. No Executivo, chefiado por
jurista celebrado, o constitucionalista Michel Miguel Elias Lulia Temer,
professor da PUC-SP, exerce-se a mesma caradura com idêntica sem-cerimônia.
Durante nove dias, 147 pessoas (os dados não são
oficiais, ou seja, o Estado não os conhece, mas do Sindicato dos Policiais
Civis do Espírito Santo) morreram na Grande Vitória, desde que as esposas dos
policiais militares, reivindicando aumento dos salários dos provedores de seus
lares, passaram a ocupar calçadas à frente dos quartéis da PM para evitar que
seus consortes saíssem para trabalhar. Desde então, a população capixaba teve
interrompidas atividades comezinhas, como frequentar escolas, andar em
transporte público e fazer compras. Nesse ínterim, Sua Excelência o
constitucionalista-mor se preocupa em censurar veículos de comunicação que
noticiam chantagem de hackers que invadiram a intimidade do WhatsApp da
primeira-dama, Marcela Temer. E, principalmente, em liberar da enfadonha rotina
do serviço o titular do Ministério da Justiça, o também constitucionalista
Alexandre de Moraes, para simular sabatina na CCJ do compadre Lobão em madrugadas
regadas à “champanhota” de Ibrahim Sued em luxuosas chalanas a deslizarem na
superfície do Lago Paranoá.
O excelentíssimo causídico, com seu glabro crâneo à
Mussolini, portanto, licenciou-se do cargo e não teve de viajar para cuidar da
vida em risco de quem mora em Vitória ou das famílias de cariocas que tentaram
assistir ao clássico entre Flamengo e Botafogo no Estádio Nilton Santos, no
subúrbio do Rio, domingo à noitinha. Oito torcedores foram baleados (um morreu,
outro está em estado gravíssimo) à porta do Engenhão, porque a polícia só foi
para as redondezas da praça de esportes depois que o sol sumiu no horizonte e
as praias não exigiam mais sua presença.
No lugar do ilustrado Cuca Lustrada, foi a Vitória, em
nome do governo, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que falou grosso, mas
nada resolveu. O professor de Direito Modesto Carvalhosa até hoje não entendeu
por que tantos constitucionalistas não percebem que, em vez de patrulhar ruas
ou transportar meganhas de helicóptero para seus quartéis, o Exército, por
ordem do comandante-chefe, poderia ocupar os quartéis, prender os amotinados e
assumir o comando da situação.
Acrescento que os praças poderiam aproveitar a viagem e
retirar, se necessário for no colo, da frente dos portões as senhoras
desocupadas que protagonizam um espetáculo grotesco e injustificável, que de
tão mambembe nem sequer pode ser comparado ao circo, nobre atividade artística
em que brilham bons e honestos palhaços profissionais e temerários e ágeis
trapezistas.
Aliás, por falar em espetáculo, o que fazia o casal em
prisão domiciliar portando tornozeleiras João Santana e Mônica Moura na noite
de sábado no show dos Novos Baianos na concha acústica do Tca, em Salvador?
Será que a PF soteropolitana, responsável por seu isolamento da sociedade,
estava cuidando de exigir do presidente a substituição do chefe, num dos
maiores acintes corporativistas desde que o primeiro ministério, o da Justiça
sem Cidadania nem Segurança Pública, foi criado?
Santo Deus! No fim deste conto de terror, o Lobão Mau vai
matar o caçador antes que ele retire a vovozinha de sua pança empazinada?
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