Josias de Souza
Dizer que o 7 de outubro de 2018 foi o mais eloquente
recado enviado pelas urnas à oligarquia política desde a redemocratização do
Brasil é pouco. Houve algo bem mais grave: o eleitor tocou fogo no circo. Foi
como se quisesse deixar claro que não tem vocação para palhaço. As urnas
carbonizaram parte do elenco que reagia à Lava Jato com malabarismo verbal,
trapezismo ideológico e ilusionismo.
A velha política está em chamas. Tomado pelas proporções,
o incêndio lembra aquele que consumiu o acervo do Museu Histórico Nacional, no
Rio de Janeiro. Salvaram-se múmias como Renan Calheiros, Jader Barbalho, Ciro
Nogueira e Eduardo Braga. Mas viraram carvão as pretensões eleitorais de peças
como Dilma Rousseff, da sessão de paleontologia. Reduziram-se a cinzas mandatos
do porte dos de Romero Jucá, Eunício Oliveira e Edson Lobão, da ala dos
invertebrados.
Desde 2014, quando a operação foi deflagrada, os
oligarcas partidários cultivavam a fantasia de que seria possível “estancar a
sangria”. Gente poderosa preparava para depois da abertura das urnas uma
investida congressual para transformar propinas em caixa dois. O eleitor
arrancou o nariz vermelho, jogou longe o colarinho folgado, livrou-se dos
sapatos grandes e riscou o fósforo.
Sobraram chamas para investigados, denunciados e até para
críticos do juiz Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa de Curitiba.
Vai abaixo uma primeira lista das vítimas das labaredas. Inclui gente barrada
no Senado, na Câmara e em governos estaduais:
Eunício Oliveira (MDB-CE); Romero Jucá (MDB-RR); Beto
Richa (PSDB-PR); Marconi Perillo (PSDB-GO); Roberto Requião (MDB-PR); Lindbergh
Farias (PT-RJ); Jorge Viana (PT-AC), Delcidio do Amaral (PTC-MS); Marco Antonio
Cabral (MDB-RJ), filho do presidiário Sergio Cabral; Daniele Cunha (MDB-RJ),
filha do presidiário Eduardo Cunha; Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do
ex-presidiário Roberto Jefferson; Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), irmão do
presidiário Geddel Vieira Lima; Leonardo Picciani (MDB-RJ), filho do preso
domiciliar Jorge Picciani; Dilma Rousseff (PT-MG); Fernando Pimentel (PT-MG);
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM); Roseana Sarney (MDB-MA); Sarney Filho (MDB-MA);
Edison Lobão (MDB-MA); Paulo Skaf (SP), Benedito de Lira (PP-AL); André Moura
(PSC-SE); Valdir Raupp (MDB-RO); Cassio Cunha Lima (PSDB-PB); Garibaldi Alves
Filho (MDB-RN); e Wadih Damous (PT-RJ).
Será necessário esperar pelo resultado do rescaldo para
saber o que sobrou e o que o eleitor colocou no lugar. Sintomaticamente, o
procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba, soltou
fogos nas redes sociais ao tomar conhecimento das totalizações de votos da
Justiça Eleitoral.
“Parabéns aos novos senadores e deputados!”, escreveu
Deltan. “Houve avanços significativos contra a corrupção: pelo menos uma dezena
de envolvidos graúdos na Lava Jato perderam o foro privilegiado. Cerca de uma
dezena de senadores do movimento Unidos Contra a Corrupção se elegeram. Além
disso, movimentos de renovação apartidários elegeram vários candidatos —o
RenovaBR, por exemplo, elegeu 16 candidatos.”
Deltan realçou um detalhe monetário: o eleitor puniu os
candidatos brindados com fatias mais generosas do fundão de financiamento
eleitoral público. Nas palavras do procurador, a “sociedade remou contra a
correnteza, pois milhões do novo fundo eleitoral bilionário foram direcionados
para campanhas da velha política.”
Na avaliação do chefe da Lava Jato, o fogo ateado pelo
eleitor no circo pode não resolver o problema. Mas reacendeu a percepção
coletiva sobre a importância da boa política: “(…) Podemos não ter o Congresso
dos sonhos, mas não se trata agora de ter o congresso dos sonhos e sim de
ajudar a construir o melhor país possível com os eleitos. O único caminho para
um país melhor é o da política, da luta contra a corrupção e da democracia.”
Quando o desalento foi às ruas, a partir de junho de
2013, as broncas do brasileiro englobaram causas variadas —do horror à ruína de
Dilma ao clamor pela volta da ditadura. Naquela ocasião, os queremistas da
intervenção militar eram uma minoria na multidão. Em 2014, sobreveio a Lava
Jarto. Dilma reelegeu-se por pequena margem de votos.
A partir de 2015, o asfalto passou a roncar pelo
impeachment. As manifestações eram menores que as de 2013. Até por essa razão,
ficou mais fácil notar a presença de personagens até então vistos como
folclóricos. Jair Bolsonaro deixou-se fotografar com uma camiseta na qual se
lia: “Direita já”. Na foto, ele era carregado por admiradores.
Nessa mesma época, Lula, o PT e seus satélites
engrossaram a pregação segundo a qual a Lava Jato criminalizou a política.
Depois do grampo do Jaburu, Michel Temer e o seu MDB aderiram ao coro. Pilhado
achacando Joesley Batista, Aécio Neves ecoou o mesmo lero-lero. Ao tocar fogo
no circo, o eleitor sinalizou que pensa de outra maneira: quem criminalizou a
política foram os criminosos. Culpar os investigadores é como responsabilizar a
radiografia pela doença.
Graças ao excesso de malabarismo, o “Direita Já” da
camiseta de Bolsonaro deixou de ser uma reivindicação. Ganhou ares de
constatação. Nas próximas semanas, os críticos da Lava Jato dirão que a
operação tirou a ultradireita do armário. Chamarão Bolsonaro de neo-Trump.
Recordarão que, na Itália, a Operação Mãos Limpas levou ao poder Silvio
Berlusconi. E esquecerão de lembrar —ou lembrarão de esquecer— que Lula
tornou-se o principal cabo eleitoral de Bolsonaro ao criar, na cadeia, a figura
do presidenciável-laranja. O fogo arderá no circo por muito tempo.
Obrigadeo, povo brasileiro! estou beirando os 80 mas nunca desisti do nosso Brasil/ fui a todas passeatas e tive o privilégio de pegar nas alça do caixão da dilma nas passeatas que pediam o seu afastamento....Deus apiedou-se do povo da nossa terra:BRASIL, ACIMA DE TUDO E DEUS, ACIMA DE TODOS!
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