Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Congresso e
o Palácio do Planalto
Quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu anunciar
publicamente que não participará nem incentivará as manifestações de domingo,
além de pedir a seus ministros que delas fiquem distantes, no fundo o que ele
fez foi buscar proteção contra um eventual pedido de impeachment por crime de
responsabilidade. Porque a Lei 1.079/1950, que define os crimes de
responsabilidade e as regras do julgamento, diz que é crime atentar contra o
livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes
constitucionais dos Estados (item II do artigo 4.º); tentar dissolver o
Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o
funcionamento de qualquer de suas Câmaras (parágrafo 1.º do artigo 6.º);
incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (parágrafo 7.º
do artigo 7.º); entre tantos outros constantes da lei que possibilitou o
impeachment de Fernando Collor (1990/1992) e de Dilma Rousseff (2011/2016).
Não que se pense que Bolsonaro fosse infringir qualquer
uma dessas vedações. Apesar de dizer que o mal do Brasil é a classe política,
ele não atacou o Congresso com seu raciocínio. E depois se incluiu no grupo dos
que ele criticou. Tem pregado o respeito às instituições que são pilares do
estado democrático de direito e prometido que jamais se voltará contra a
liberdade de expressão e de imprensa. Mas haveria o risco de alguém associá-lo
a uma das vedações da Lei do Crime de Responsabilidade caso viesse a participar
das manifestações, ou mesmo incentivá-las.
Sabe-se, pelo teor das convocações, que alguns grupos que
anunciaram a presença nas ruas, amanhã, poderão exibir faixas pedindo o
fechamento do Congresso e do STF, além de fazer provocação à desobediência dos
militares. Por isso mesmo é que os movimentos de direita racharam e alguns,
como o MBL, decidiram ficar de fora dos protestos. Também foi por essa razão
que a deputada Janaina Paschoal (PSL), uma das autoras do pedido de impeachment
de Dilma, disse que não via nenhum sentido nos protestos. E que tantos líderes
da direita tentam limitar as manifestações ao apoio à reforma da Previdência,
ao pacote do ministro Sérgio Moro (Justiça) de combate ao crime organizado, ao
crime violento e à corrupção e à manutenção do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça.
Mesmo sem a presença ou o incentivo de Bolsonaro, é
possível que as manifestações deste domingo se transformem num marco político
desses dias tão conturbados. Se forem muito grandes, darão uma prova ao
presidente de que ele ainda goza de apoio popular, apesar de as pesquisas, como
a mais recente da XP/Ipespe, divulgada ontem, dizerem que sua popularidade está
caindo rápido. Se o número de manifestantes ficar abaixo das expectativas, o
presidente terá nas ruas o testemunho de que a tendência verificada pelas
pesquisas reflete-se na movimentação de seus apoiadores.
A depender do grau de agressividade às instituições – se
alto, baixo ou nenhum – que for mostrado nas ruas, o Congresso terá ainda um
termômetro para orientar o enfrentamento que tem mantido com o governo de Jair
Bolsonaro, principalmente os parlamentares de centro e de centro-direita que
integram o Centrão e que são os mais achincalhados nas redes sociais pelos
integrantes do movimento chamado de olavo-bolsonarista.
Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Palácio do
Planalto e o Congresso. Essa separação só pôde ser concretizada porque
Bolsonaro decidiu montar um governo sem negociações políticas. Com isso, o
Congresso despertou e começou a tocar uma agenda própria. As manifestações
pró-Bolsonaro dirão se o Parlamento deve seguir nesse caminho.
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