Artigo, Jurandir Soares, Correio do Povo - Maduro antecipa o golpe

Um conflito que só pode ser deflagrado pelo país de Nicolás Maduro



Os temores da oposição na Venezuela, como da maior parte da América Latina, eram de que Nicolás Maduro pudesse dar um golpe de Estado no período antecedente às eleições presidenciais, convocadas, em princípio, para o final deste ano. A data sequer foi marcada. Porém, nesta sexta-feira, o ditador venezuelano já se adiantou, dizendo que “os acordos de Barbados estão mortalmente feridos”, diante, do que alegou, uma tentativa de assassiná-lo. Os acordos a que se referiu foram traçados no ano passado naquela ilha do Caribe, sob a mediação da Noruega, reunindo representantes do governo e da oposição. Uma tentativa de, pela primeira vez em muitos anos, realizar eleições limpas sob a supervisão de organizações internacionais reconhecidas na arte de fiscalizar pleitos.


Apesar de todo o empenho de muitos países, inclusive dos EUA, com vistas à realização de eleições limpas na Venezuela, esta possibilidade sempre esteve ameaçada na sua concretização. Isto porque, de cara o chavismo bloqueou a candidatura de Maria Corina Machado, o nome mais expressivo da oposição, vencedora das prévias da coalizão opositora. “Não há como essa mulher ser candidata a nada em nenhuma eleição”, advertiu o presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez. Maria Corina foi inabilitada eleitoralmente por 15 anos, pelo fato de ter denunciado do parlamento as arbitrariedades e desmandos do governo chavista.


Assim, uma eleição sem a presença da principal figura de oposição já seria suspeita, no entanto, o ditador demonstra não querer tampouco a realização do pleito. Daí vem com a denúncia, sem qualquer comprovação, de planos para assassiná-lo. E para fazer a sua denúncia usou uma plateia de assessores, para os quais discursou com aquela ênfase e tom ameaçador dos ditadores. Enquanto isto, seus asseclas vão fazendo o serviço. Na semana passada, conforme informações da agência AFP, foram realizadas mais de 30 prisões, entre civis e militares, por cinco supostas conspirações em 2023 e início de 2024, nas quais estariam envolvidos líderes da oposição, agentes de inteligência dos EUA e do exército da Colômbia, todos alvos habituais do governo venezuelano nesse tipo de acusação. Desta forma, apesar de toda a badalação que fora feita em torno dos chamados “Acordos de Barbados”, torna-se cada vez mais utópico o seu cumprimento.


Enquanto Maduro bradava sobre a dita tentativa de assassiná-lo, o seu representante diplomático Yván Gil Pinto, se reunia em Brasília com o representante da Guiana, Hugh Todd. Um encontro sob a mediação do chanceler brasileiro Mauro Vieira, na sequência do diálogo entre os dois países para evitar um conflito armado na América do Sul. Um conflito que só pode ser deflagrado pelo país de Nicolás Maduro, que cresceu o olho sobre o vizinho depois que lá foram descobertas enormes jazidas de petróleo, que fizeram a população guianense passar a ter a maior renda per capita da America Latina. O encontro de Brasília deu sequência à primeira reunião entre as duas partes, realizada em 14 de dezembro em São Vicente e Granadinas. Outras reuniões poderão ser realizadas, mas, em nada mudará a situação vigente. A Venezuela segue querendo tomar conta de dois terços do território da Guiana, sob alegação de que a província de Essequibo, que é onde foi encontrado o petróleo, lhe pertence. A Guiana invoca laudo de 1899 de um tribunal internacional que reconheceu seus limites.


Ocorre que a situação, que estava à beira de uma invasão da Guiana pela Venezuela só se arrefeceu quando EUA e Reino Unido decidiram enviar navios de guerra para proteger a Guiana. Maduro, que chegou a mobilizar tropas junto à fronteira, sentiu que ia meter-se numa fria e recuou. Agora só restará para ele evitar que se concretize uma ameaça: a instalação de uma base militar dos EUA na Guiana. Algo que foi aventado logo que Maduro veio com suas bravatas de plebiscito e de invasão “em nome de uma decisão do povo venezuelano”. Consultou os venezuelanos, mas não perguntou aos guianenses se eles queriam se tornar cidadãos venezuelanos. Assim, só resta para maduro sossegar em suas pretensões territoriais para evitar que os EUA instalem uma base militar junto à sua fronteira. Aliás, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também pactua com a posição de evitar que o Tio Sam venha a ter uma presença militar aqui nas proximidades.


Criar um problema internacional para sufocar as revoltas internas é uma velha tática das ditaduras. Foi usada pelo general Galtieri na Argentina, com a questão das Malvinas e se deu muito mal. Sentindo que iria ter o mesmo resultado, Maduro aliviou nas pressões sobre a Guiana. Porém, como precisa reforçar sua posição interna, inventou a história de que querem assassiná-lo, numa clara intenção de melar as eleições em que ele poderia perder o poder.



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