Artigo, especial - Gestão de crise: quando o foco sai da Faria Lima e vai para o celular

Este artigo é do "Observatório Brasil Soberano"

O Brasil já se acostumou a viver sob o ritmo dos vazamentos seletivos. Eles surgem sempre em momentos convenientes, nunca como fruto de uma trans parência legítima, mas como ferramenta de gestão da narrativa. Agora, os áu dios e mensagens extraídos do celular do presidente Bolsonaro ocupam o no ticiário como se fossem revelações de impacto, quando na prática cumprem uma função específica: tirar o foco da crise que realmente ameaça o país: o embate entre a Faria Lima e a Corte. A cronologia recente não deixa dúvidas. Os bancos perderam dezenas de bilhões em valor de mercado em poucos dias, empurrados por declarações de ministros que reforçaram o risco de insegurança jurídica diante de sanções internacionais. A advertência de que nenhuma decisão estrangeira teria efeito automático no Brasil soou como música para uns e como pesadelo para outros. Para quem de pende do sistema financeiro americano, a conta é simples: se ignorar a OFAC, perde acesso internacional; se ignorar o Supremo, arrisca punições locais. Esse dilema expôs a fragilidade institucional de forma inédita e trouxe para o centro do debate a crise entre Brasília e Washington, mediada pela Faria Lima. É exatamente nesse ambiente que os vazamentos aparecem. Não por acaso, ganham espaço nos dias de maior turbulência. Quando a bolsa despenca e as áreas de compliance discutem riscos de sanção, o noticiário passa a girar em torno de trechos escolhidos de conversas privadas. O impacto não é esclare cer, mas reduzir a temperatura de um conflito que poderia se tornar incontro lável. Em vez de discutir a exposição dos bancos a normas internacionais, a opinião pública se perde em especulações sobre frases e áudios. Esse padrão é recorrente. Toda vez que a tensão ameaça atingir o coração do siste ma financeiro, surgem novas “revelações” para ocupar o espaço público. A seletivi dade não está apenas no conteúdo, mas sobretudo no timing. Se há algo que nunca falta é coincidência entre o dia da crise e a hora do vazamento. Isso não elimina a realidade dos problemas, só os esconde sob a espuma de narrativas. A consequência é dupla. De um lado, a sociedade é levada a acreditar que o fato político do dia está no áudio ou na mensagem. De outro, a crise real — a que custa bilhões em valor de mercado e aumenta o risco-país — continua avançando em silêncio. O país paga com fuga de capital, queda de ações e perda de credibilidade, enquanto se debate detalhes irrelevantes. O problema de fundo é que esse ciclo de vazamentos funciona como amor tecedor, mas também como anestesia. Ele adia decisões que deveriam ser tomadas com clareza e coragem, tanto pelo sistema político quanto pelo mer cado. Enquanto se gasta energia com trechos de conversas privadas, não se enfrenta a falta de previsibilidade institucional, a ausência de coordenação entre as autoridades e a pressão externa que ameaça a solidez financeira do país. O resultado é uma combinação perversa: um sistema em crise e uma so ciedade entretida com ruídos. A lógica é clara: vazamentos seletivos são anestesia. Eles aliviam a pressão momentânea, desviam o olhar, mas não atacam a doença. O embate entre a Faria Lima e a Corte permanece, agora mais profundo, porque revela que a confiança na previsibilidade institucional está sendo corroída. E não há áudio ou manchete capaz de reverter os números que o mercado já registrou. O Brasil já entendeu como esse jogo funciona. Vazamentos seletivos não es clarecem nada. Servem apenas para mudar o foco da crise real: o conflito en tre a Faria Lima e a Corte, onde está em disputa não apenas a narrativa, mas a própria confiança no futuro do país

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