Editorial, O Globo - Crise humanitária venezuelana já afeta o continente
Fluxo de refugiados do regime de Maduro na América Latina
exige ação urgente de instituições multilaterais para ajudar os países que
acolhem estes imigrantes
Enquanto a Venezuela mergulha vertiginosamente no mais
grave desmantelo político, econômico e social de sua história, cidadãos de
todas as classes, asfixiados pela crise da ditadura de Nicolás Maduro,
abandonam o país num êxodo de proporções épicas. Este fluxo instaura na América
Latina, sobretudo em Brasil e Colômbia, grave problema humanitário, comparável
aos dramas de refugiados no Oriente Médio e na Ásia.
Segundo o “Wall Street Journal”, desde que os efeitos da
crise global chegaram ao país bolivariano, três milhões de venezuelanos (um
décimo da população) abandonaram o país; 1,2 milhão só nos últimos dois anos.
No fim de 2017, a Colômbia havia abrigado 550 mil cidadãos do país vizinho, um
aumento de 62% em relação a 2016. Desde janeiro deste ano, mais 50 mil refugiados
entraram na Colômbia. São números que se comparam aos 600 mil sírios que
pediram asilo à Alemanha, e aos 700 mil rohingyas que fugiram de Mianmar para
Bangladesh.
No Brasil, números da Superintendência da Polícia Federal
de Boa Vista, principal porta de entrada dos refugiados, mostram que só nos
primeiros 45 dias de 2018, 18 mil venezuelanos pediram formalmente abrigo na
capital de Roraima, ante 17,8 mil em todo o ano passado. A PF de Boa Vista
estima uma média diária de 600 pedidos de refúgio. São pessoas desesperadas, em
fuga da escassez de alimentos e remédios, do desemprego, da repressão, entre
outros infortúnios. Calcula-se que 40 mil refugiados entraram no Brasil pela
fronteira com Roraima em 2017. Neste ano, já são dez mil.
O venezuelano que chega ao Brasil pertence à faixa mais
pobre da população. Já um estudo da PF mostra que dos 17,8 mil venezuelanos que
solicitaram abrigo em 2017, 1,9 mil (6,2%) são engenheiros e 862 (4,8%),
médicos, mesmo percentual de economistas.
Esta situação levou o governo federal a decretar estado
de “emergência social”, atendendo, enfim, ao pedido do governo local, reiterado
várias vezes desde 2016. A medida prevê o aumento do contingente da Força
Nacional para aumentar a vigilância de fronteira e triagem sanitária, sobretudo
em Boa Vista e Pacaraima, que recebem a maior concentração de imigrantes. O
governo federal aprovou ainda a montagem de um hospital de campanha para
acolher e fazer triagem dos refugiados, diante do risco do surto de doenças
contagiosas, como sarampo.
O fluxo de refugiados trouxe a crise da Venezuela para os
países vizinhos. Estes, sozinhos, não conseguirão dar conta da tarefa
humanitária que se impõe, tanto no acolhimento dos refugiados, como também na
montagem da infraestrutura necessária para isso. A ajuda de organismos
multilaterais e países desenvolvidos será, nesse sentido, crucial. Ao mesmo
tempo, é preciso aumentar a pressão diplomática internacional sobre Maduro,
para forçar o país a voltar à democracia.
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