O futebol está se transformando em gigantesca passarela
para exibição de uma coleção de tatuagens, cortes de cabelo, piercings em
orelhas e pescoços, na esteira da expansão de uma estética esportiva que embala
os competidores, motivando torcedores a endeusar seus ídolos não apenas pela
qualidade técnica, mas pela maneira como se apresentam.
O dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar,
se vestir e usar adereços, exercício tradicionalmente restrito ao campo
político estende, portanto, seus domínios aos campos de futebol. O poeta
Baudelaire dizia que o dândi provoca “o prazer de espantar”. Nesses tempos de
espetacularização dos atos cotidianos, pode-se acrescentar: o “prazer de
encantar”, ou, no caso do futebol, oferecer algo mais que uma performance
esportiva.
Na política, o dandismo teve grandes cultores, como Luis
XIV, que passeava nos jardins de Versailles em um cavalo branco coberto de
diamantes, ele todo vestido de púrpura. Napoleão mais parecia um pavão
engalanado quando se coroou para receber a benção do papa em Notre-Dame.
Hitler, treinado em aulas de declamação para agitar as massas, usando a cruz
gamada para propagar o nazismo, aparecia nos comícios organizados por Goebbels
depois de fazer a massa esperar por ele horas a fio. A audiência cansada tomava
um grande susto quando aviões roncando desciam em rasantes, criando o clima
para receber o personagem e seu séquito.
Entre nós, a arte da representação também tem sido
bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica usando como bengala
uma estética escatológica: olhos esbugalhados, cabelos despenteados, barba por
fazer, a imagem do desleixo pessoal com a caspa caindo sobre um sobre um paletó
roto. Tirava sanduíches de mortadela e bananas dos bolsos, momento em que
pontificava com sua retórica cheia de próclises e mesóclises: “Político
brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou
caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” Devorava os
acepipes sob aplausos da multidão.
A atração dos políticos por holofotes comanda atos
canhestros. O Estado-Espetáculo emerge com força exibindo heróis, salvadores da
Pátria, pais dos pobres, redentores de margens sociais empobrecidas e,
incrível, até seres que se postam ao lado direito do Senhor. O marechal Idi
Amin, de Uganda, dizia conversar com Deus em sonhos. Um dia, um jornalista quis
saber com que frequência ocorria o papo. O sagaz ditador sem titubear: “sempre
que necessário”. Nicolas Maduro não disse que foi abençoado pelo falecido Hugo
Chavez, encarnado em um “canarinho pequenino” que apareceu cantando?
Em muitas ocasiões, os limites da liturgia do cargo
costumam ser rompidos. E os atores, participando da encenação que tem mais a
ver com estripulia circense e comédia farsesca, inventam firulas para iludir as
massas.
Voltando aos campos de futebol, vemos a Seleção Canarinho
desfilando com sua coleção de signos. Fixemos os olhos em Neymar, que mais
parece um caleidoscópio humano. Carrega cerca de 40 símbolos em seu corpo,
entre os quais tatuagens de tigre, âncora, diamante, cruz com asas, o 4 em
número romano, coroas, clave de sol, enfim, uma vasta coleção que tenta
expressar força, alegria, coragem, estabilidade, perfeição, independência,
história de vida, relação com o divino etc. Esse aparato estético, em parte
organizado pelo hairstylist Nariko, ainda se completa com esgares e espasmos de
dor, ao cair nas faltas cometidas por adversários (parte das quedas é pura
representação do dândi), Neymar deve despertar curiosidade até dos
extra-terrestres que, segundo ufólogos, costumam visitar nosso planetinha azul.
O fato é que na sociedade pós-industrial o
Estado-Espetáculo imprime o tom dos discursos, maltratando a identidade da
política, dos esportes e da cultura.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da
USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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