Mudanças previstas na “MP do Agro” tendem a tornar a
tradicional Cédula de Produto Rural mais atraente.
A matéria é de Rafael Walendorff, do jornal Valor
Criada em 1994, a Cédula de Produto Rural (CPR)
amadureceu e se tornou um dos principais meios de financiamento no campo nas
últimas décadas. A emissão do título, relativamente barata, garante recursos
antecipados a agricultores e pecuaristas em troca da promessa de entrega da
produção ao comprador (CPR física) ou de pagamento em dinheiro após a
comercialização (CPR financeira). Com o avanço das tecnologias e a proliferação
de alternativas de crédito, porém, questões que limitam o uso da ferramenta
burocráticas ou que reduzem sua liquidez – tornaram-se barreiras que alterações
feitas na semana passada na Medida Provisória 897/2019, a “MP do Agro”,
prometem derrubar.
O objetivo é tornar o papel mais atraente e dinâmico,
para que possa ser usado em um número maior de operações de crédito e possa
ajudar a alavancar dezenas – ou centenas – de bilhões de reais em oferta de
recursos para operações rurais no futuro.
“Coringa” a CPR, a partir das mudanças propostas, poderá
ser emitida de forma eletrônica, em moeda estrangeira, por residentes ou não no
país, por agroindústrias de beneficiamento ou de “primeira industrialização” e
até para produtos que não são negociados em bolsa. De quebra, propriedades
poderão ser divididas para facilitar que sejam oferecidas como garantia nas
operações.
. Obrigatoriedade de registro elevará custo
Apenas para custeio, a agropecuária nacional demanda
cerca de R$ 450 bilhões por ano. Esse valor, somado à necessidade de recursos
para investimentos, industrialização e comercialização, é que alimenta as
projeções para o potencial das CPRs. “Nosso agronegócio, em poucos anos,
precisará de algumas centenas de bilhões de reais adicionais e estamos
construindo um mercado de crédito capaz de suprir essa demanda. Sem dúvida
alguma, a maior parte das necessidades virá via CPR”, afirma José Ângelo
Mazzilo Júnior, secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da
Agricultura.
Cálculos d startup PagAgro indicam que apenas a cadeia de
insumos gira de R$ 120 bilhões a R$ 140 bilhões por ano para financiar a
produção agrícola brasileira, e que entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões são
lastreados com CPRs.
O subsecretário de Política Agrícola e Meio Ambiente do
Ministério da Economia, Rogério Boueri, está confiante de que a repaginação da
CPR de fato vai revigorá-la.
Para as emissões de Certificados de Recebíveis do
Agronegócio (CRA), opção que ganha cada vez mais força no financiamento de
agroindústrias, nas quais o título é usado como lastro, será fundamental –
tanto para operações em real como em moeda estrangeira. “As emissões de CRA em
moeda estrangeira, por exemplo, poderão dobrar” aposta.
De janeiro a novembro, segundo a Associação Brasileira
das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), as emissões de
CRA totalizaram quase R$ 11 bilhões, ante cerca de R$ 6 bilhões no mesmo
período de 2018 – conforme a PagAgro, cerca de 10% delas lastreadas com CPRs.
Na B3, o estoque de recursos referentes a esses papéis chega a R$ 42 bilhões. O
governo estima que as “novas” CPRs, reforçarão a já forte tendência de expansão
dos CRAs, que poderão passar a injetar mais de R$ 80 bilhões por ano no mercado
a partir de 2025.
No texto original, a “MP do Agro” previa vinculação do
patrimônio afetado apenas à bancos. Com as mudanças, que para entrarem em vigor
ainda dependem de aval dos plenários da Câmara, do senado e sanção
presidencial, outros agentes passarão a acessar o novo modelo de fracionamento
da propriedade nas operações com CPRs. “Investidores, tradings, agroindústrias,
todos vão poder trabalhar com patrimônio de afetação”, avalia o consultor José
Carlos Vaz, que já foi secretário de Polícia Agrícola do Ministério da
Agricultura e diretor de Agronegócios do Banco do Brasil.
Agroindústrias de beneficiamento e de “primeira
industrialização” de produtos agropecuários como grãos, carnes, leite,
florestas plantadas e pescados, entre outros, também poderão emitir CPRs, o que
até agora é restrito a produtores e cooperativas. Para o vendedor, o título não
será isento de Impostos sobre Operações Financeiras (IOF), e para o comprador
haverá incidência de Imposto de Renda sobre o rendimento. Mas Vaz diz que,
mesmo assim, médios frigoríficos, fornecedores de insumos e prestadores de
serviço serão estimulados a operar com a cédula. “A CPR vai virar um
instrumento poderoso para a mais poderosa cadeia de negócios do país”.
Outros consultores e integrantes do governo ouvidos pelo
Valor ressalvam, porém, que as empresas podem operar outros títulos isentos de
tributação, o que pode restringir seu interesse em elevar os negócios baseados
em CPRs.
A emissão de CPR em dólar, que já estava prevista no
texto original da “MP do Agro”, a partir das mudanças propostas também poderá
ser usada em operações com produtos que não são negociados em bolsas. Uma lista
de 70 itens que fazem parte da puta de exportação do Brasil e estão
“acostumados” com ambiente dolarizado, como frutas, pescados e produtos
florestais, deverá ser construída pelo setor de agronegócios em parceria com o
Ministério da Agricultura e levada ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para
uma decisão final.
“O produtor vai fazer a avaliação de risco. Mas, para
casar fluxo de receita com despesas, que muitas vezes já é em dólar, é bom que
ele tenha a possibilidade de emitir CPR em outra moeda”, afirma Fernanda
Schwantes, assessora técnica da Comissão Nacional de Política Agrícola da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Quanto á preocupação do
governo sobre uma possível disparada de endividamento em dólar em alguns
segmentos – como aconteceu no mercado de leasing de veículos no fim dos anos de
1990 -, Schwantes diz que caberá às associações instruir os produtores sobre os
riscos e as condições ofertadas.
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