O Exército e as Forças Armadas como um todo podem estar intactos, mas o processo de deterioração de sua imagem e reputação é irreversível. Expostos pelas manifestações que ocuparam por 60 dias a frente dos quartéis em todo país, ficou a percepção na opinião pública de que os generais lavaram as mãos da política e que não iriam responder a uma demanda constitucional de garantia à lei e à ordem, caso ela ocorresse.
Com essa ação, ou melhor, inação, os generais colocaram as Forças Armadas em uma sinuca tripla: caíram em desgraça com a direita que sempre as defendeu; ficaram à mercê da esquerda que sempre as odiou e tornaram evidente a necessidade interna de se redescobrirem. Por quê?
Primeiro, porque os políticos que tradicionalmente defendem as Forças Armadas pensarão duas vezes antes de saírem em sua defesa. Elas perderam o apoio e a confiança da população que há décadas as valorizavam acima de todas as outras instituições. Caíram do pedestal mitológico em que se encontravam e estão na vala comum das instituições falhas, distantes da população. Agora dependerão da boa vontade de um governo de esquerda, que sempre pregou acabar com suas atribuições históricas e transformá-las em forças de controle político, agindo contra a população: modelo venezuelano.
Segundo, porque elas não têm orçamentos garantidos na Constituição, ao contrário da previdência, saúde, educação etc. A cada ano, têm de “combater” por mais recursos. É um erro constitucional, pois coloca recursos estratégicos no embate político contra recursos sociais, e o primeiro sempre sai perdendo. Além disso, há sempre o incentivo interno para não gastarem com material bélico para garantirem salários, benefícios e número de pessoal. Essa conscientização se tornou óbvia na reforma da previdência em 2019, quando as FFAA resistiram a serem incluídas na reforma sem antes receber reajustes salariais.
As Forças Armadas caíram em desgraça com a direita que sempre as defendeu e ficaram à mercê da esquerda que sempre as odiou.
Terceiro, porque ao se posicionarem como forças de auxílio criaram a percepção de que são redundantes. Em suas comunicações nas últimas décadas, não apontaram os reais inimigos externos do Brasil. Quase nunca mencionaram o risco do narcotráfico, do contrabando de armas, de minérios, de produtos e de pessoas que existem ao longo de toda a nossa fronteira. Também não tecem comentários públicos quanto ao Foro de São Paulo, os avanços políticos da China na nossa região. Também não mencionam os limites que os EUA silenciosamente impõem em todas as nossas defesas. Por isso sequer tocam no fato de que estamos completamente desamparados para um conflito convencional e mais desamparados ainda para um conflito moderno, que envolva ataques cibernéticos, aeroespaciais ou nucleares.
A opinião pública e os políticos cresceram com a falsa impressão de que não temos inimigos, que tudo está bem na América do Sul e não precisamos de uma força de defesa efetiva.
Talvez por medo de polemizar, preferem se promover de forma politicamente correta como “braço forte e mão amiga” de apoio aos demais serviços sociais do Estado; ou seja, mudaram sua missão e podem ser absorvidos pelos outros serviços públicos de bem-estar social a qualquer momento. Dessa forma, a opinião pública e os políticos cresceram com a falsa impressão de que não temos inimigos, que tudo está bem na América do Sul e não precisamos de uma força de defesa efetiva. Recentemente, alguns membros das FFAA perceberam o erro dessa construção e passaram a se posicionar mais sobre nossos riscos reais, mas são poucos e de pouca influência para dar uma guinada nos rumos da FFAA.
Quarto, porque cada vez mais pessoas se chocam em saber que a força que defende a fronteira terrestre é a polícia federal, com efetivo dez vezes menor, e não o Exército. Isso mesmo. O exército não pode agir em flagrante delito de violação de nossa fronteira terrestre. Só a PF pode. Protocolamos um projeto que daria força policial temporária aos militares em situações de fronteira. A resistência contra esse projeto veio dos partidos de esquerda e – pasmem – do próprio Exército.
A entrada crescente e maciça de armamentos, drogas e contrabando pelas nossas fronteiras terrestres, o crescimento do crime organizado inter-regional, bem como suas ligações com partidos e mídia na guerra híbrida interna do Brasil, nunca foram alardeados publicamente pelas FFAA como sendo os riscos reais à nossa soberania, ao nosso sistema político e às nossas famílias, apesar de que internamente os militares estavam bem cientes dos possíveis desdobramentos. Erro.
Cada vez mais pessoas se chocam ao saber que a força que defende a fronteira terrestre é a polícia federal, com efetivo dez vezes menor, e não o exército. Isso mesmo. O exército não pode agir em flagrante delito de violação de nossa fronteira terrestre. Só a PF pode.
Quinto, porque frustraram centenas de milhares de cidadãos que queriam ter seu certificado de colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC). O Exército valoriza sua própria eficácia e eficiência na condução de obras públicas, mas como explica ter sido tão lento para a revisão de documentos e emissão de CACs, uma função meramente burocrática? Move montanhas, literalmente, mas não move papéis? Cidadãos passaram meses esperando por uma autorização para comprar suas armas e a desculpa sempre foi que “não tinha efetivo suficiente”. Imaginar quantas propriedades, famílias e cidadãos ficaram indefesos e quantos crimes graves poderiam ter sido evitados é revoltante.
A verdade é que muitos na cúpula do Exército são contra o direito de defesa individual com armas de fogo. Talvez por temerem que a população com algumas pistolinhas em punho poderá se tornar uma força revolucionária mais eficaz que o próprio Exército – com a atual cultura desarmamentista de alguns de seus líderes, isso não é de se duvidar. Muitos generais são contra o fato de que seus próprios oficiais portem armas fora do quartel. Por isso muitos acreditam que o exército fez corpo mole proposital contra os CACs.
As décadas que sucederam o regime militar foram de grande perda de poder político para as Forças Armadas, e parece que esse período também criou uma geração de líderes militares traumatizados.
Sexto, porque não existe não ter ideologia nas Forças Armadas. Pois a ideologia que criou os exércitos modernos, permanentes e profissionais é a mesma que criou os pilares do Estado moderno, das constituições e dos direitos fundamentais. No entanto, a ideologia marxista e suas variantes do século XX criaram outras ideias para destruir justamente esses pilares. Todas as vertentes marxistas são armas contra as nações, suas constituições, seus cidadãos e suas forças de defesa, seja pela subversão interna da luta de classes, seja pela subversão externa das pautas globais. Infelizmente muitos membros das Forças Armadas foram influenciados por essas vertentes marxistas e não percebem as incoerências.
Sétimo, fato é que, com a Guerra da Ucrânia e a evolução do combate no campo de batalha, ficou mais evidente o descompasso tecnológico que temos, e como as nossas FFAA gastam mal os recursos que recebem. Sua despesa com pessoal é dez vezes superior ao gasto com novos equipamentos militares. Em 2022 tivemos sucesso em protocolar a PEC 17/2022, que bloqueava uma parcela do orçamento para projetos de capacitação tecnológica das FFAA. Ou seja, os deputados de diversos partidos atestaram que precisamos de orçamento para modernizar aos desafios do século XXI. Mas até agora as FFAA não demonstraram muito interesse nesse projeto. Isso só fez crescer a percepção de que não querem ser uma força efetiva com capacidade de emprego de novas tecnologias. Sem elas as FFAA são uma máquina inchada ineficaz que drena recursos públicos para benefícios da classe militar em vez de representar uma forca efetiva de Defesa Nacional.
As décadas que sucederam o regime militar foram de grande perda de poder político para as Forças Armadas, e parece que esse período também criou uma geração de líderes militares traumatizados. O resultado é que o mito do Exército de Caxias, com generais predispostos à defesa do país contra qualquer inimigo, não existe mais. Em seu lugar criou-se um corpo auxiliar de servidor público, sem medo de perder prestígio, mas temeroso de perder carreira, salário e benefícios.
Como não-militar, fui o deputado que mais destinou emendas parlamentares para as FFAA na história da sexta república. Não foram encaminhamentos por romantismo, mas sim fruto de análise do cenário internacional. As instituições de defesa neste século têm de ser efetivas, assim como foram na nossa fundação, para que nosso país tenha chance de sobreviver soberano e seguro. Só precisamos de líderes das FFAA que pensem o mesmo.
Luiz Philippe Orleans e Bragança
Luiz Philippe de Orleans e Bragança é deputado federal por São Paulo, descendente da família imperial brasileira, trineto da princesa Isabel, tetraneto de d. Pedro II e pentaneto de d. Pedro I, sendo o único da linhagem a ocupar um cargo político eletivo desde a Proclamação da República, em 1889. Graduado em Administração de Empresas, mestre em Ciências Políticas pela Stanford University (EUA), com MBA pelo Instituto Européen d'Administration des Affaires (INSEAD), França. Autor dos livros “Por que o Brasil é um país atrasado”, “Antes que apaguem”, “A Libertadora – Uma Nova Constituição para o Brasil” e “Império de Verdades”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
v
Parabéns, falou tudo esse exército burocrático, lento desprovido de patriotismo só cisca e não saI nada de bom, não cuida das fronteiras, para que serve, generais e coronéis vivem numa utopia, quando olho no peito deles vejo condecorações sem bravura, não lutam, não resguardam as fronteiras "é o fim da picada"....
ResponderExcluir