Artigo, J.R. Guzzo, Gazeta do Povo - O veneno antissemita

Os judeus são “o câncer da humanidade”, escreveu um militante do movimento de apoio à “Palestina” e à eliminação do Estado de Israel. “Já foi tarde”, comentou a palestrante de uma “aula pública” na Universidade de São Paulo ao dar sua opinião sobre o assassinato da jovem brasileira Bruna Valeanu, de origem judaica, na chacina terrorista contra Israel. “Nenhum judeu, em nenhum lugar do mundo, vai estar seguro a partir de agora”, ameaçou um comentarista de noticiário sobre o ataque terrorista que matou 1,4 mil civis israelenses até agora — incluindo a decapitação de bebês, o sequestro de inocentes, estupros em massa e tortura pública. Fazendo sua análise sobre esses fatos, um blogue da extrema esquerda lulista escreveu: “Não importa a cor dos gatos, o que importa é que cacem os ratos”. Eis aí, sem nenhum disfarce e sem nenhuma preocupação com as leis que proíbem o ódio racial no Brasil, os judeus sendo chamados de “câncer”, de “ratos” e de inimigos públicos a serem exterminados — o quanto antes melhor, como diz a palestrante da USP. Há uma palavra que descreve com exatidão isso tudo: “antissemitismo”, ou o ódio aos judeus pelo fato de serem judeus. Antes da atual “causa palestina”, foi a marca mais perversa da ditadura nazista na Alemanha.



Você não ouviu nenhuma observação, de crítica ou de simples registro, sobre a erupção de antissemitismo explícito no Brasil que acompanhou desde o primeiro momento a agressão terrorista do Hamas, a organização criminosa que controla o território de Gaza, na fronteira com Israel. É claro que não: é proibido utilizar a palavra “antissemitismo” na mídia, na vida pública e na esfera intelectual brasileiras de hoje. Desde que o ódio aos judeus emigrou da extrema direita para a esquerda, os antissemitas e os seus simpatizantes passaram a praticar o antissemitismo nazista de sempre dizendo que defendem a “causa palestina” — ou que são apenas “antissionistas”. Sustentam que o Estado de Israel não tem o direito de existir. Dizem que o seu governo pratica o “apartheid” racista, embora todos os muçulmanos israelenses sejam cidadãos plenos e tenham os mesmos direitos dos judeus. Israel é “terrorista”, “colonialista” e comete “crimes contra a humanidade” nos territórios “ocupados” — e por aí afora. É um alvará universal que autoriza o antissemita brasileiro, dos pontos de vista social, político e moral, a cometer o delito de discriminação racial antijudaica sem correr nenhum risco.


O sonho proibido da esquerda

O antissemitismo é o sonho proibido da esquerda brasileira. Querem odiar os judeus, mas não podem dizer que odeiam, e nem podem odiar em público — comportam-se, na vida prática, como nazistas, mas querem ficar no “campo progressista”. A “causa palestina”, aí, é o disfarce ideal. Permite que o sujeito chame os judeus de “câncer” e de “ratos”, ao mesmo tempo em que se exibe como combatente de esquerda, intelectual civilizado e devoto do presidente Lula. Permite que se escandalize com a “morte de civis” em Gaza, nos bombardeios de Israel para reagir aos terroristas que acabam de cometer o pior massacre em seu território desde os grupos de extermínio de judeus na Alemanha de Hitler. Mas o horror, para ele, fica limitado à Gaza. Para o antissemita brasileiro não há civis em Israel; só na “Palestina”. Permite que se acusem os judeus de “crimes de guerra”, de “crise humanitária” e de “genocídio”, ao agirem em legítima defesa de suas vidas e do seu país. Permite dizerem, com teores extremos de indignação, que Israel não poderia reagir ao ataque selvagem que sofreu do Hamas; tem de “negociar”, ou algo assim, e ficar esperando o próximo massacre.


Como em outros comportamentos politicamente patológicos, o racismo antissemita no Brasil de 2023 usa as ferramentas clássicas da falsificação dos fatos e dos argumentos sem base racional para se exibir sob a máscara da ação política legítima. Uma das acusações mais repetidas nas redes sociais, na mídia e na militância de esquerda, por exemplo, é que Israel pratica o “genocídio” contra o “povo palestino” — o assassinato de bebês, por esse entendimento, seria a reação natural dos “oprimidos” contra os “opressores”. O problema, aí, não é só a demência da justificativa. Além disso, existe a ofensa à realidade — como Israel poderia estar cometendo genocídio se a população palestina era de 750 mil pessoas quando o Estado israelita foi fundado, e hoje é de 4 milhões? Se há genocídio, por que estão todos vivos? É o único caso na história humana em que a população exterminada aumenta, em vez de sumir. Virou uma palavra de ordem, também, dizer que a Faixa de Gaza é uma “prisão aberta”, porque Israel não permite que os moradores locais entrem livremente no seu território. Existe algum país de fronteira aberta — sobretudo para terroristas que têm como objetivo oficial a destruição física desse mesmo país?



Com a mesma qualidade de raciocínio acusa-se Israel de cortar a energia elétrica, a água corrente e a entrada de alimentos em Gaza, como medida de reação contra o Hamas. Se cortou é porque fornecia isso tudo até agora — e se fornecia, onde está o tratamento desumano em relação aos “palestinos”? Quem se dispõe, num conflito armado, a oferecer meios de subsistência ao inimigo e agressor? Alguém reclamou, entre os que denunciam Israel, dos bombardeios russos contra as centrais elétricas da Ucrânia? Em nenhum momento, na presente onda de antissemitismo humanitário no Brasil, foi observado que Israel só atacou a Faixa de Gaza porque foi atacado; nenhum “civil palestino” seria morto se o Hamas não tivesse cometido os assassinatos em massa que cometeu. Há indignação contra os mísseis que atingem escolas ou hospitais, mas não se diz que os terroristas montam ali as suas centrais de operação — justo para permitir que se acuse Israel, na sua resposta à agressão, de atingir escolas e hospitais. Denuncia-se que a maioria dos moradores de Gaza vive na miséria, por culpa dos judeus; não se diz que 80% da população local não trabalha, e não trabalha porque o Hamas impede que haja qualquer tipo de atividade econômica na região. Existe no mundo alguém disposto a investir na Faixa de Gaza?


A esquerda se refere ao Hamas como se o grupo fosse o governo legal da “Palestina”. É objetivamente falso. O Hamas só representa a si mesmo, ou a seus chefes — tomou o controle pela violência, em 2007, jamais permitiu uma eleição depois disso e usa o crime sistemático para mandar em Gaza, como se fosse uma quadrilha de favela. Não há oposição, nem direitos civis; os adversários políticos são presos e torturados. O Hamas fica com todas as verbas, em dólar, de ajuda internacional aos “palestinos”. Fica, também, com todo o material médico, os alimentos e demais recursos do apoio humanitário à região; vende em benefício direto dos chefes, ou então distribui à conta-gotas para os que obedecem às suas ordens. A corrupção em Gaza é considerada uma das piores do mundo subdesenvolvido — mas dizer isso, ou lembrar que Israel é a única democracia de toda a região, vale acusações automáticas de “sionismo”. Essa, por sinal, é outra palavra-chave nos sistemas de pensamento do antijudaísmo brasileiro. Quer ser antissemita e escrever em jornal, fazer conferência na Fundação Getulio Vargas e falar na Rede Globo? Diga que você é “antissionista” — e estará liberado para praticar o seu racismo em público e com toda a segurança.


A epidemia de antissemitismo que saiu agressivamente do armário com os ataques terroristas a Israel não pode ser descrita como uma expressão da vontade popular no Brasil. Não rende voto; não faz parte das preocupações normais da população brasileira, não é levada a sério por quem precisa trabalhar e não mobilizou mais do que 150 militantes do MST, ou coisas parecidas, na única manifestação de rua “pró-Palestina” que fizeram até agora. Trata-se, mais do que qualquer outra coisa, de uma doença privativa do baixo clero da elite nacional — professores de universidade, grêmios estudantis, jornalistas, simuladores de conhecimento, influencers e mais do mesmo. Há, é claro, o PT, que até hoje não conseguiu condenar as ações terroristas do Hamas; mas aí é coisa que está no DNA do partido, dos seus serviços de apoio e do presidente Lula, e não há como ser diferente. O foco principal de infecção está na universidade, e mais nos professores do que nos alunos. “O que acontece na região de Israel e Palestina é brutal”, escreve um comunicado do Diretório Central dos Estudantes da PUC do Rio de Janeiro. “A opressão do estado [assim mesmo, com “e” minúsculo] de Israel, apoiado pelo Bolsonaro, sobre o povo palestino acontece a anos [assim, mesmo, em vez de “há”], promovendo assassinatos, prisões, invasões de casas, roubos de terras e outros crimes de violação dos direitos humanos.” É esse o nível, e é esse o pensamento da maioria dos centros acadêmicos brasileiros; para eles, não houve os crimes do Hamas, e Israel é um país que não existe.


O problema é que o nível dos textos que os professores escreveram a respeito da questão, ou expuseram nas salas de aula, não é muito melhor do que isso. “Tecnicamente, Israel viola todas as normas possíveis do direito humanitário”, escreveu um professor que dá aulas numa faculdade tida como top de linha em São Paulo — num manifesto que poderia servir de síntese para o que a maior parte da universidade brasileira está pensando neste momento. “Os governantes e militares israelenses são criminosos de guerra e culpados de crimes contra a humanidade inclusive aquele de apartheid.” O professor diz que o “conceito técnico” de terrorismo “não existe”. Argumenta que, se o Hamas é chamado de organização terrorista, a definição correta para Israel seria “estado terrorista”; seus governantes também deveriam ser descritos como “terroristas”. Fala na “motivação” do Hamas para seus ataques contra bebês, crianças, mulheres e gente indefesa em Israel. Afirma que “é verdade” o que o Hamas diz. “A verdade pode não justificar o ataque”, escreveu, “mas não deixa de ser verdade”. Alunos da faculdade pediram que a sua direção, pelo menos, comunicasse ao público que o artigo do professor não representa a opinião da escola. Não receberam resposta. O surto de antissemitismo que se espalhou com a agressão terrorista a Israel, obviamente, está longe de se limitar ao Brasil; em outros países, aliás, é muito mais perverso do que aqui. Na Alemanha foram colocadas estrelas de David na porta de lojas operadas por judeus — uma repetição das sinistras estrelas amarelas que a Gestapo colava nas fachadas da Alemanha nazista, para indicar que aquele estabelecimento podia ser depredado sem riscos. A Universidade de Harvard e suas congêneres viraram quartéis-generais do Hamas — estão, agora, ameaçadas de perder parte das doações que recebem, por prática de antissemitismo declarado. A esquerda mundial, como o PT, se uniu para acusar Israel de ter reagido aos atos de barbárie que sofreu. Mas o Brasil, que sempre esteve distante do ódio ao povo israelita, se vê empurrado cada vez mais para a fogueira antissemita. É de graça, e tem a benção silenciosa do governo, suas polícias e seus tribunais. Da mesma forma como não houve, em mais de quatro anos de inquérito sobre as “fake news”, nenhum indiciado de esquerda, não há, em 15 dias de manifestações públicas de antissemitismo, nenhum gesto de reação, por mínimo que seja, por parte de qualquer autoridade. Não há surpresa, assim, que uma militante do “Partido Comunista Operário” tenha escrito nas redes sociais, sem nenhuma restrição: “Toda a violência perpetrada pelo Hamas é justificada”. São os argumentos que a esquerda, com o apoio ativo ou passivo do centro-democrático-liberal-civilizado-equilibrado-etc. tem para apresentar. Não é uma novidade. O doutor Goebbels também tinha argumentos.




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