Palavra dos candidatos não pode ser a banalidade que não
indica rumos e oculta os desafios
Norberto Bobbio, em artigo de 1993, sublinhou que a
democracia necessita de confiança – “a confiança recíproca entre os cidadãos e
dos cidadãos nas instituições”. Essa confiança se esvai em diversos países, por
diversificados motivos. Por isso a questão da democracia hoje é “a da
reconstituição dos laços de confiança entre governos e governados”, como aponta
Fernando Henrique Cardoso em seu recente Crise e Reinvenção da Política no
Brasil.
Uma das causas da perda de confiança é a corrupção. Com
efeito, a transparência (que traduz a exigência democrática do exercício em
público do poder comum, como ensina Bobbio) tem revelado, em função da Lava
Jato, uma sistêmica e ilícita associação entre o poder e o dinheiro, e a
existência de uma surpreendente corrupção em larga escala. E a corrupção, para
evocar a clássica lição de Políbio, é um tenaz agente da decomposição e
cupinização das instituições públicas.
A corrupção mina o espírito público, como aponta Raymond
Aron em Democracia e Totalitarismo. Afeta a confiança da cidadania, que passa a
duvidar de tudo. A corrupção, como pontua Bobbio no artigo acima mencionado,
escrito no momento em que a Itália vivia o impacto da Mãos Limpas – que
comporta analogia com a Lava Jato –, é um ingrediente da realidade política que
leva à dúvida sistemática e à semente da desconfiança.
A semente da desconfiança no âmbito da sociedade
brasileira vem se transformando num ovo de serpente. Está comprometendo valores
que são inerentes ao bom funcionamento das regras do jogo democrático. Entre
eles, a tolerância, que postula a confiança no diálogo da convivência, ou seja,
no reconhecimento do Outro como adversário, e não como inimigo. Daí, no cenário
político brasileiro, uma convulsão de sectarismos e a exacerbação da divisão da
vida política num intolerante e desqualificador nós/eles.
Essa intolerância põe em questão o que os americanos
chamam de common ground, ou, como esclarece FHC, “o terreno, público ou
privado, no qual o interesse das pessoas se encontram e em nome do qual um país
cria um destino nacional”, capaz, realço eu, de enfrentar os desafios da contemporaneidade
que transitam pelas realidades da globalização.
A semente da desconfiança vem frutificando na sociedade
brasileira. Cabe lembrar que a ética específica da atividade política, que leva
ao bom governo, é o empenho no interesse público. É por essa razão, como também
ensina Bobbio, que a distinção entre boas e más ações governamentais deve
correr paralelamente às ações voltadas para o bem comum, distintas das voltadas
para o bem individual. Isso torna inaceitável o “rouba, mas faz”.
Com efeito, tendo como antecedente o mensalão, a
repercussão da Lava Jato cria a percepção de que o convergente e positivo
paralelismo acima mencionado não vem caracterizando de maneira abrangente a
classe política do País. Daí a desconfiança na sua aptidão e integridade para
mover e ampliar a capacidade de resposta das instituições políticas para
atender às exigências e aspirações da sociedade que, inter alia, transitam pela
inclusão social e pela redução da desigualdade.
Essas aspirações estão em sintonia com os valores
implícitos da democracia, que postula que a renovação gradual da sociedade,
pela atuação das regras do jogo democrático, caminha em direção da
solidariedade, inerente à conjugação da liberdade com a fraternidade.
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