Será que é possível aprender a envelhecer?
Ficar velho exige planejamento
- Marcia Di Domenico
O brasileiro nunca viveu tanto tempo: um adulto com mais de 60 anos hoje —a faixa etária
que mais cresce no país— deve se preparar para viver, em média, mais 20 anos, de acordo com estimativas
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Mas, pelo menos por aqui, viver muito está longe de significar viver bem até o fim da vida, o que tem a ver
com nosso contexto socioeconômico e cultural. Cerca de 65% das pessoas acima de 60 anos são hipertensas,
segundo dados da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo); também são as que mais
sofrem com depressão, o que está ligado à perda de relações familiares e sociais e o sentimento de
inutilidade, além da deterioração da saúde geral.
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Mudança de mentalidade
Para além dos bons hábitos de saúde preconizados para viver por muito tempo com bem-estar e livre de
doenças, envelhecer bem —isto é, com autonomia (física, cognitiva e emocional), satisfação e motivação
para se cuidar— é uma questão de mudar a mentalidade em relação ao envelhecimento, buscando vê-lo como
um processo que dura toda a existência, e não como uma etapa que começa em determinada idade ou está
separada do restante que já vivemos.
"Continuamos sendo nós mesmos por toda a vida, apenas mais velhos", escreve Anne Karpf, socióloga e
autora do livro "Como Envelhecer" da The School of Life. "O envelhecimento nos dá a oportunidade de
sermos totalmente nós mesmos: mais, e não menos, indivíduos. Envelhecer, em cada estágio da vida, pode
ser altamente enriquecedor", completa.
12/01/2022 11:26 Será que é possível aprender a envelhecer? Ficar velho exige planejamento - 06/08/2021 - UOL VivaBem
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Olhar para a velhice como uma experiência (e não a derrocada da juventude ou "o fim da linha") e a chance
de seguir aprendendo e se desenvolvendo, indo assim contra a discriminação pela idade e estigmas de
limitação física e cognitiva, também é chave para abraçar a beleza dessa fase.
"A construção do nosso repertório de vida não se dá apenas na primeira metade vivida, como a sociedade faz
parecer", fala Candice Pomi, psicóloga, gerontologista e mentora em longevidade. "Quando bem planejada e
vivida, a velhice é uma oportunidade de integrar tudo o que se aprendeu ao longo dos anos e chegar cada vez
mais perto da própria essência, ser cada vez mais quem somos."
Um estudo da Escola de Medicina de Yale (EUA) demonstrou que cultivar crenças positivas em relação ao
envelhecimento, como de ser uma fase de crescimento pessoal e felicidade, ajuda a reduzir o risco de
demência em idosos com mais de 60 anos, mesmo aqueles com predisposição genética para a doença.
Diante dos resultados, Becca Levy, psicóloga, pesquisadora do envelhecimento e uma das autoras do
trabalho, reforça a importância de se combater a discriminação pela idade, também chamada de idadismo ou
ageísmo. O ideal é não esperar chegar à maturidade para começar a se preocupar com ela, embora nunca seja
tarde para isso.
Planejando a velhice
Para Thais Ioshimoto, médica geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), é preciso aprender a
envelhecer: assim como passamos a infância e a adolescência nos preparando para nos tornarmos adultos, é
importante incluir a velhice no planejamento da vida, a fim de minimizar as perdas naturais que tendem a vir
com a idade —funcionais, cognitivas, financeiras e sociais— e criar reservas que vão ajudar a viver uma
velhice com sentido e satisfação.
Cuidar da saúde física e mental, manter-se mentalmente ativo, cultivar relações verdadeiras e alguma forma
de espiritualidade (não necessariamente ligada a religião), manter em ordem a vida doméstica, financeira e
familiar são providências que devem começar a ser tomadas o quanto antes.
O processo de desenvolver essa espécie de inteligência para envelhecer também passa por exercitar:
Curiosidade - ter uma mente aberta para acolher visões diferentes e se manter sempre aprendendo ajuda a se
adaptar com menos sofrimento a um mundo em constante mudança. O cérebro continua sendo moldado pelas
nossas experiências até o fim da vida, e quanto maior a diversidade de estímulos, mais azeitados se tornam os
processos cognitivos.
A curiosidade e a disposição para se manter física e mentalmente ativo, aliás, são consideradas características
dos superidosos, como se chama o grupo acima de 80 anos com desempenho em testes de memória
comparável ao de pessoas até 20 mais jovens.
Vulnerabilidade - para acolher os próprios erros, medos e limitações naturais do processo de envelhecer, criar
conexões verdadeiras, perder o medo das mudanças e seguir crescendo apesar das instabilidades da vida. É
importante também para aceitar a finitude como parte da existência e planejar como deseja ser cuidada caso
precise de ajuda na velhice.
Aceitação e desapego - do passado, pontos de vista, padrões e escolhas. Não se trata de negar a própria
história nem o envelhecimento, mas de se permitir seguir em frente sem ficar achando que o que tinha antes
era melhor do que tem hoje.
"É importante recorrer ao passado pelo conjunto de instrumentos que podem ajudar a navegar no presente e
no futuro, mas não para tentar reviver o que já foi", fala Valmari Cristina Aranha, psicóloga, professora do
Centro Universitário São Camilo (SP) e membro da diretoria da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia).
Mentoria em longevidade
Para muitas pessoas, o reconhecimento do envelhecimento envolve luto —por perdas físicas reais, mudança
de papel social, morte de pessoas próximas e consciência da própria finitude— e, por isso, pode ser útil
procurar ajuda profissional para atravessá-lo.
O processo de mentoria em longevidade também é uma alternativa para se preparar para chegar bem à
maturidade, o que cada vez mais tem sido preocupação dos mais jovens. A psicóloga Candice Pomi conta
que sua mentorada mais jovem está na casa dos 30 anos.
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"São pessoas que estão vendo os pais envelhecendo mal e não querem ir pelo mesmo caminho. Já as mais
idosas geralmente buscam o processo porque estão cheias de energia e vontade de fazer coisas, mas sentem
que não têm com quem conversar para saber como agir", diz.
Uma delas, a empresária Maria Helena Bagueira Leal Coelho, 71, estava se sentindo exatamente assim
quando ficou sabendo que existia um processo de mentoria em longevidade e decidiu iniciá-lo, um ano atrás.
"Mesmo estando feliz, realizada e cheia de disposição, tinha muitos questionamentos em relação à idade, do
tipo 'o que vai ser daqui para a frente?'", diz. Bastante ativa e interessada em autoconhecimento, meditação e
leitura, ela conta que as sessões de mentoria a ajudaram a ver com mais leveza o momento por que estava
passando, organizar os pensamentos e construir metas que acabaram trazendo movimento aos dias,
autoconfiança e mais vontade de viver.
"Deixei de ver a idade como um peso e passei a focar na força que tenho dentro de mim, ao mesmo tempo
em que fiquei mais motivada para me cuidar fisicamente também. Deparar-se com certas limitações da idade
desanima às vezes, mas não deixo tomar conta; nessas horas busco olhar a vida de um jeito mais amoroso,
me manter em atividade e fazer coisas que alimentem minha alma.
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